quarta-feira, 10 de abril de 2024

Subjeto meu

 Qual o gosto da sua boca se encontrar meu gosto?

Como sua pele sentirá ao tocar a minha superfície?

Somos dois, ou um corpo?

Somos só corpo ou sentimos?


Quero sentir o sabor do seu cheiro embaixo do pescoço...

Quero enroscar meu cabelo no seu rosto

Ah, eu quero você e como eu quero...


Deitada em você feito cobertor 

entregue ao sabor do frio 

de um leito em busca de calor


Quero desenhar seus contornos

 com a ponta dos dedos e o nariz gelado

 como o prazer que reveste minha boca com sede...


Clichê e igual pode ser...

Vestir seu terno

abraçar inteiro seu tronco 

Metade tecido e a outra pele


Não quero dormir

Quero sonhar

Isso é diferente...

Hcqf 10-11 de abril 2024

domingo, 24 de março de 2024

Tons de marrom, cinza e preto...

Esqueceram a janela aberta e eu caí...
Não era bem o que eu queria. Mas a visão na queda me surpreendeu.
Eu vi uma felicidade antiga em tons mais quentes que o preto de sempre.
Tinha dois sorrisos e um olhar de família. Todos já sabiam, quiseram me avisar e eu não dei espaço.
Senti vergonha por todo tempo que não arremessei meu corpo daquela varanda nos primeiros dias, ou do último quarto bagunçado.
A realidade me abateu o ânimo, estou tentando me erguer, mas é tudo escorregadio ainda perto da gaiola.
Parece que um pesadelo me acordou, mas a verdade era pior que o sonho ruim.
Alguns lampejos me ocorrem, como o de que não haverá uma explicação para o que eu sofri e nem resposta para o que me fez viver isso tudo.
Aos poucos sede e fome me alcançam, mas perdi uma perna imaginária, como G.H de Lispector. Só que a minha era uma moleta que eu carregava comigo para me proteger dos obstáculos que tenho enfrentado, para adiar o cuidado com o meu corpo e suas fragilidades, um suporte para toda desculpa para não investir em nos meus sonhos pro futuro, uma moleta de irresponsabilidade, literalmente.
Agora, ainda acostumada a sua serventia, manco diante das obrigações e de algum trabalho de luto.
Ao menos não estou mais presa, na gaiola ou a muleta, embora algumas lembranças eu tenha guardado em cofre, contra a indicação do poeta. 
Assim, distante do sublime da poesia e perto da justeza da realidade, caminho cada vez com menos dificuldade.

Hcqf 25 Março 24 

sábado, 23 de março de 2024

Autoenganos

Ele disse incrédulo:

 - achou que podia dar certo? Achou mesmo?

Eu respondi (sem querer):

- achei... Eu sempre acho... que encontrei o amor (e segurei o restante das palavras dentro da boca) ...

- não tinha paz. Lembra, excesso? (Em tom irritado).

- sim... Agora eu lembro de tudo. Espero que isso passe.

- esquece! Por favor!

- vai acontecer... Sempre acontece (rebaixando o tom da voz ainda mais).

- então? Por que tá se fazendo de vítima?

- porque não é o que eu queria.

- o que?

- esquecer... Ser esquecida...

- nem você, nem eu... Entenda! Só aconteceu.

- eu fico me perguntando: quando?

- quando, o que? 

- em qual momento tinha acabado e eu tava lá sozinha.

- todo tempo. Lembra?

- sim, você nunca tava lá.

- não, e eu não menti sobre isso.

- mas fingiu... Muito mal... Mas eu acreditei, porque não queria acreditar em mim, só em você.

- acreditar em mim? Quando? Eu disse várias vezes "eu te amo" e você nunca me ouviu.

- você disse: eu te amo, sua doida; eu te amo, porra; eu te amo, só que rindo (pensei, lembrando da cena, tudo estava diferente, foi um adeus e eu nem percebi).

- tá, já entendi que não foi do jeito que você queria, mas foi...

- esse último, inclusive, foi outro dia...

- outro dia não... Isso já tem bem uns três meses ( e riu).

- tem, exatamente, três semanas. E você disse que eu não te ouvi (percebi que ele nunca me viu, devia ter sido cada noite uma fantasia diferente, porque é isso que eu sinto agora).

- tá bom, então, você quer me culpar pelo que aconteceu, é isso? Pode me culpar, fique à vontade, mas saiba que acabou. Encontrei a luz que ilumina a minha escuridão e me deixa bem.

- não duvido que te deixe bem, mesmo. E que eu não fui capaz de te iluminar... Eu não queria isso. Eu sempre achei que amor fosse sobre ver a nudez da alma do outro. Mas não dá pra ver no escuro né?

- não faz assim... Não faz isso comigo. Eu preciso de paz, você sabe disso. Os últimos acontecimentos foram...

- por que né? Maldita saudade que me fez te mandar email de parabéns na madrugada. São coisas minhas sobre ser presente... Eu tava errada.

- não, ninguém tá errado. Só não era pra ser.

- sim, não era pra ser eu. Dizem que uma lenda japonesa sobre o amor de verdade conta que quando a gente ama alguém...

- para com isso... Você não precisa fazer isso.

- preciso sim. A humilhação é o limite da dignidade do perdedor. Aprendi com Heitor de Tróia, o pai dele correu o maior perigo para colocar duas moedas nos olhos do filho para ele entrar no rio do esquecimento e ser lembrado como príncipe que foi. Eu hoje sou a moeda que o pai deitou sobre os olhos do guerreiro que sozinho enfrentou o homem mais temido da Grécia, pela honra da sua família.

- ah, por favor... O filme não é o mito...

- eu não sou um personagem da mitologia... Eu sou o pedaço de metal forjado e frio: eu virei lembrança para alguém e daqui a pouco talvez nem isso.

- para com isso... A gente ainda pode se ver... Ela não é ciumenta. Mas com ela quero ser diferente.

- ... (Enterrei boa parte do rosto e dá tristeza dentro do peito).

- o que foi?

- foi assim como um resto de sol no mar...

- adeus, fica bem, vou te guardar...

- em cofre não se guarda coisa alguma, em cofre...

- ah, por favor... Essa poesia decadente pra cima de mim agora? Isso já passou.

- eu sou ninguém e você quem é? A palavra começa a viver naquele instante em que é dita.

- não é assim a tradução direta.

- as melhores traduções do alemão e do inglês, não foram capazes de me explicar o mistério mais angustiante que existe.

- o amor? (Torcendo a boca)

- não ser correspondido mesmo se entregando, perdidamente...

- nisso a gente concorda, lembra? Você estava perdida, confusa... E eu tentei te trazer pra perto, para um lado mais tranquilo, o sol da manhã, lembra?

- lembro: a tranquilidade do amanhecer, que embalam o mar e a lua em plena harmonia. E se sabe que é a pessoa certa...

- nossa, para com isso. Deixa passar! Você sabe muito bem que precisa elaborar isso... Acabou, aceita!

- ... (Empurrei ainda mais pro fundo o que senti e apertei os olhos, como se sem ver, não tivesse acontecido, como foi sempre).

- tchau, agora eu tenho que ir. Espero que você fique bem e que se cuide (apressado em se afastar). Cuidado...

- com o sorriso meigo da bonequinha de lixo.

- tá bom, já não aguento mais essa conversa. Não vai dar em nada (e virou as costas).

E desapareceu a fumaça que embriagou meus sentidos. E eu vi a cena de Audrey Hepburn chorando na chuva abraçada a seu gato. Ela acabara de escutar que precisava ser menos ela e mais alguém que ela deixou para trás.

O amor é um Deus que tem seus preferidos, eu perdi sua confiança, mas não deixei de acreditar nele.

Hcqf 25 de março de 2024

Poema eterno

Ele tira o terno e me carrega

Me coloca em seu colo e segura minha cintura

Encosta os olhos verdes entre meus seios

Sobe e cheira meu pescoço


Sinto a mão apressar o zíper da calça de alfaiataria 

Enquanto seguro seu rosto e umideço seu queixo

Escuto que não há tempo 

E desejo que ele entre 


Ele quer sentir meu calor

Digo que me despi para almas penadas

Ele revela ter perdido a sua de amor


Estamos uma parte vestidos

E a outra metade nus

Ele me cobre com suas vestes

Eu abraço seu corpo

É quente e doce


Hcqf 23 março 2024


Höhle: poema macabro

 Escrevo para me entregar e poder ser livre, de novo...

Estou presa em uma gaiola, suja e escura...

Daqui enxergo turvo, o escuro levou parte da minha acuidade visual em sua capa de intelectual.

Toda janela que se abre arde nos meus olhos... Mesmo se um flash de luz atravessa a umidade ainda enxergo treva e nada, como o buraco na alma de quem me tortura.

Essa escuridão fria constrói fantasias de calor pela fuga da realidade que suscita...

O cheiro ruim de morto-vivo deixado nas madrugadas no meu corpo, quase leva toda a minha fome de (i)mundo...

A sede que me restou veio com as tardes na companhia da vergonha impregnada em tudo dentro dessa caverna.

Essa claridade no meio do dia tem revelado a insanidade que toma o morcego que se alimenta da minha energia...

Tenho gritado palavras desconexas e a minha voz cada vez mais me ressuscita...

Mesmo meu ouvido atormentado por ruídos musicais e gritos em um inglês sem sentido.

De tanto alucinar um colo, estou quase aprendendo a bater minhas asas pequeninas...

Consigo imaginar a vida fora desse amontoado de pedra, lágrima, cerveja e cocaína...

*Höhle é caverna em alemão.

Hcqf 23 de março de 2024

sábado, 16 de março de 2024

 Eu aceito ele como ele é...

Ele me quer só quando me aceita...

Diz "sdd" e eu entendo "saudade"

É minha senha pra ilusão

Entro, bato os pés, e a poeira embaça minha visão.


Hcqf  21 de FEV de 2024