sábado, 27 de junho de 2020

Lembrança que escorre



"Nenhum de nós quis se afastar, então o que aconteceu conosco?

Eu dei um poema pra ele... Um poema não é pra qualquer pessoa... É uma vida escrita em gotas de saliva, lágrima, suor e ternura... É eterno ser poema de alguém...
Mas eu nunca fui...
Trato com a delicadeza que quero receber. Recebo torturas em forma de palavras gentis que se despedaçam como pétalas de uma flor doente de morte, sem vida para suas pétalas conter...
Fui poeta e me vi com pena de mim... E foi a pena que vim gastar no meu lugar preferido...
Foi um descuido... Ele me pegou sorrindo, num dia ensolarado com um anoitecer de estrelas caindo...
Tentei fugir... Me denfendi de todo jeito... Corri de amor... Tropecei, eu disse: eu te amo... Não era pra ter sido dito...
Como quando a caneta falha... risquei a minha boca inúmeras vezes depois deste erro... Enorme pausa... Silêncio...
Não durou mais nada o envolvimento...
Ele podia perjurar... Eu não!
Desviei meu foco... Me vi num sufoco de tentar esquecer.
Mas a pena nunca esquece...
Como posso eu?
Como pode o tempo passar tão devagar na memória que sofre?
É uma lembrança também que escorre, chega a boca agridoce..  e morre...
Que a esperança não tarde em socorrer tamanho devaneio... pois o doce que se mistura, no que desliza pelo rosto,é espera e força...
H.C.Q.F 27 junho de 2020
*Imagem do Instagram

quarta-feira, 24 de junho de 2020

C(antigas)



Recobrir de afeto outro ser proporciona um encontro cuja intensidade é incontrolável. São emoções, fantasias e experiências que percorreram histórias diferentes. Por isso os "desencontros", como alerta Vinícius de Moraes. Há ainda o que caminhar, mesmo depois que o rio desaguou. São como os espelhos d'água o encanto que o amor encontra. Revestido de canções interiores, o a(mar) cintila como farol na madruga, sempre, a entoar  c(antigas).



Existe ainda uma química a se fazer presente depois que a natureza vigora... De quando os sentidos tomam conta da cena e protagonizam o rito ancestral. Dança que enlaça pelo beijo o corpo, da pele à carne e já não existe mais censura para o que a alma implora.



Tal que me ocorre, Carlos Drumond em seu poema, "Amar":
Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
*
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o amar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
*
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho,
e uma ave de rapina.
*
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
*
Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita."



Por vezes, é preciso, um coração partido para escutar o amor, que ao bater a porta, talvez como diria Drumond, "quando o amor bate a aorta" derruba os muros em volta.
(H.C.Q.F,24 junho de 2020)
*Imagens do Instagram @flowsofly

domingo, 7 de junho de 2020

Presente no domingo




Com licença poética - Adélia Prado

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas, o que sinto escrevo. Cumpro a sina. Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.


Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida, é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou."

*Imagens Instagram @flowsofly
7 de junho de 2020

sábado, 6 de junho de 2020

Ad-miração

Eu conheço um homem muito bonito... Uma beleza espontânea e simples. Que a estética envolve cada sentimento expresso na face do menino eterno. Ele esteve nos meus poemas amorosos mesmo os que a ele não foram remetidos.... Todos mereceram seu ouvido... Todos foram enxarcados das lágrimas do que não foi vivido com ele.
E a falta que ele ainda faz, não me deixa parar de co-respondê-lo... Preservo meus receios de encontrá-lo, porque desde o primeiro adeus não fomos mais os mesmos.
 Ele é tão extraordinário que eu não percebi ele logo... Ele tem uma simplicidade muito marcante... Passa despercebido com facilidade e tem a capacidade de fazer falta estando presente.
É mesmo instante!
Conheci essa gentileza de pessoa, de azul tão divino, que o céu desceu e um anjo caiu na minha vida...
Fui apresentada a ele depois de saber que o olhar dele já me procurava do outro lado do rio... E eu ainda estava perdida buscando um outro caminho sem vida e sem história...
Foi um verão que esculpiu meu coração ao longo de dois anos... Mas a saudade nunca passou!
É dele o conselho que eu nunca esqueci: "nunca me (se) superlative acima de ti (mim)"... E por causa desse cuidado, eu amo uma personagem machadiana, com alcunha de "agregado". Chorei a narrativa do seu enterro como único familiar presente. Era o "último superlativo", mas eu nunca desejei que fosse... E nem hoje, eu consigo isso.
É estranho me sentir parte de uma história que não foi vivida. Foi suspirada! E ainda assim não está perdida.
O que nos escapou da realidade, teceu estima e respeito... Sigo a ad-mirá-lo.
HCQF, 6 junho de 2020

terça-feira, 2 de junho de 2020

Fe-lino



*Imagem do Google
Eu queria contar pra ele que o meu peito rasgou quando ele me disse "oi"...
Mas está tão cedo, que pode parecer que não foi tão fundo o espinho cravado...
Está sim... Tá doendo até a espinha dorsal...
Eu não esperava o contato repentino. Também não planejei... Aconteceu como um sonho que desperta pela sensação de realidade... Mas é um sonho... Ainda não o alcancei.
Tá ainda tão distante, que não sabe nem meu nome... Não tem nem vestígio de vontade de saber...
Ainda sou uma estranha pra ele... E os elogios, os dizeres em voz viva, ainda não tem endereçamento certo... São só orvalhos... Pra chuva ainda falta a condensação...
E o meu coração precipitado, molhou meu corpo de afeto e a minha mente virou tempestade de ilusão...
Sou um quintal condenado pela defesa civil a desmoronar de saudade... E eu nem acredito que há alguns dias sal, idade e sensibilida não eram meus temas preferidos...
HCQF, 2 junho 2020