sábado, 11 de fevereiro de 2023

Infeliz-saudade do amor

O primeiro texto de 2023, tem sabor de saudade... É como um renascimento, porque veio de um texto nascido há pelo menos uma década.

Entre 2006 e 2007, eu fiz um texto, cuja escrita foi orientada por um trecho do livro "O mal-estar na civilização", na qual Freud (1930) diz que o amor permite uma segurança que não é capaz de proteger plenamente de todo mal, nem do adoecimento, por exemplo. Porém, é a uma das maiores satisfações que somos capazes de experimentar.

No entanto, a estudante de pedagogia, que havia encontrado a teoria psicanalítica pela primeira vez na disciplina "Psicologia do desenvolvimento Bio-psico-social I", não conseguia de maneira alguma lembrar de onde vinha a inspiração do seu texto, apesar das palavras nitidamente rememoradas enquanto escrevia. 

Foram mais de 10 anos, gostando da sutileza e modéstia daquelas doces palavras, sem desconfiar que aquela menina que tinha o sonho de ser psicóloga e estranhava demais a psicanálise, teria escutado o pouco que sabia sobre o amor em um texto freudiano.

E mesmo quando se tornou estudante de psicologia, demorou pelo menos dois anos de graduação para deixar de temer amar a psicanálise.

Logo, não foi amor à primeira vista, e nem a segunda, pois encontrou os escritos de Freud pela primeira vez, por volta de 2006, quando guardou "O mal-estar na civilização" (standard, 1996), como um dos melhores livros que conhecera. 

Essa mulher, agora com algumas cicatrizes amorosas, reencontrou o velho Freud (pela segunda vez) só em 2012 (na disciplina de Psicanálise I), depois de realizar um dos maiores feitos da vida: passar no vestibular para psicologia, a despeito de tudo que ouvia sobre não ser o seu perfil.

E vai ver não era mesmo,  porque em 2014, depois de muito criticar e estranhar a psicanálise, começou a gostar da disciplina de Psicanálise II e do rigor teórico e prático da professora e seu monitor. E não se rendeu com facilidade, suas resistências foram confrontadas também pelo processo de análise que se iniciava lentanente. Até que em 2016 decidiu escrever sobre subjetivação feminina, com a orientação de uma psicanalista - mas não sem antes tentar alguém da chamada psicologia social. É uma história de amor e ódio, para ser bem freudiana, ou talvez "orgulho e preconceito" para tocar em outra via pela qual cheguei à psicanálise - esta última anterior aos escritos freudianos na minha história.

E como toda conquista é árdua, senão chamaria regalo, eu não ganhei a psicanálise como um presente, percorro suas linhas e sigo sua metapsicologia, com respeito e dificuldade desde antes de saber faria.

Assim, primeiro escrevi sobre "tornar-se mulher" e só conclui a tarefa final da graduação de psicologia (em 2017), porque estava em análise e achei uma pedra literária no caminho: o poema Noções de Cecília Meirelles (1938). Inclusive foi o mesmo ano em que engravidei do meu menino, vindo a dar à luz em 2018 ao Luis Roberto.

Foram mais dois anos um pouco afastada, maternando e me tornando mãe-de-família. E isto também é sobre a minha relação com a psicanálise, ir e vir, sem deixar de amá-la.

Em 2020, então,  decidi retonar aos estudos acadêmicos na pós-graduação, pensei em literatura  e filosofia, mas bem no fundo tudo era sobre escrever de novo a partir da psicanálise e esse amor que me deixa segura e deprotegida, enquanto sinto insegurança e proteção.

Contudo, não passei de primeira, meu projeto sobre "A musa das canções" não foi aceito. Pensei em dar uma nova pausa e continuar os tão saborosos grupos de estudo sobre psicanálise e filosofia. Porém, novamente a literatura me fez mergulhar as águas da psicóloga das profundezas.

Tal que em 2021 um objeto me capturou, o amor sofrido de Ariana por Dionísio, isso depois de tentar escrever sobre o Desejo para Hilda Hilst. Mas foi a Ode descontínua e remota, como remonta o amor a angústia mais tenra de se saber vivo e desejante, que me fez escrever a pleno vapor.

E aqui cabe outra devagação, porque em meio a conversas sobre como cheiros e sabores esfumaçam a vista, senti a "aorta" (como diria Drumond) com a chegada de um novo amor, ou talvez, o amor novo. Tanto faz, porque tanto fez por mim, a dor desse amor, que escrever foi o lugar onde desague o gozo de querer aquela companhia nebulosa  como é até hoje, já em 2023.

Entretanto, o fio de onde parti para esta tecitura, foi o que chamo de textura de 2010, na qual escrevi descrevendo um pouco de mim...

Ou eu perdi em um netbook antigo que está com tela vazada e não ligo há mais de um ano. Ou ele está, onde sempre esteve, guardado de mim, para que eu continue desejando encontrá-lo no amor.

Sendo que foi um texto que ao escrever achei bobo e sem estilo, e mes fez enfrentar uma insônia para descrever um pouco das suas raízes. Isso porque ele não é de 2006, quando conheci "o mal-esta" e a psicanálise pela primeiravez; ou de 2016 quando decidi estudar psicanálise... nem exatamente do dia que o escrevi no que agora parece ser um caderninho de arame, de anotações inúteis do cotidiano (mesmo sabendo que o registrei no meu antigo computador na pasta texturas)... ele também não vem dos livros e autores de literatura que admiro e reencontrei agora tentado olhá-lo mais uma vez... 

Não, esse texto não tem idade e talvez agora eu tenha perdido algum rastro seu, mas encontrei um resto, sem desconfiar que as palavras de Freud (1930) teriam me causado grande deleite em escrever sobre a "infeliz-sau-dade" do amor. 

H.C.QF. 12 de fev de 2023