domingo, 24 de setembro de 2023

Cantiga de mal-dizer

 Perdi algumas horas do meu dia procurando o sentido do que eu sabia que significava aquilo de "um beijo no seu coração". 

Minha mãe sempre diz isso ao se despedir... e foi no espaço de mãe para mãe, e no tempo entre dois filhos, que aconteceu o adeus mais breve e mais pesado, que não ouvi, mas senti... e até hoje me sufocam as lembranças do que foi vivido no fim de semana, imediatamente, anterior a esssas palavras escritas em ato.

Se eu disser que não me preparei, estaria mentindo, amargamente... ensaiei todos os dias ao lado dele esse "last good bye", que como essa referência musical comprova, já vinha acontecendo, milimétricamente, no transcorrer dos meus dias, sono e pensamento desperdiçados.

Ele foi, mas não sozinho, como sempre... fiquei eu, sozinha, independente das pessoas que atravessam sem entrar na minha vida.

Nadie! Ninguém, tal como quando estávamos sempre um do lado outro: ele sozinho, dormindo seu sonho tormenta; eu sozinha, acordada, vigiando meus dilemas por estar em um espaço fantasmagórico da vida de um estranho e solitário gost.

Dois fantasmas, em tempos diferentes sobre a mesma cama fria, debaixo de um teto quase para desabar, em ruínas como tudo e todos naquela casa/lembrança/repetição vazia.

Entrar ali era um sonho/pesadelo pra ela, sair dali um alívio pra ele. O que há de mais inexplicável nesse drama: o quão anacrônico e antagônico foi esse desencontro. 

Estivemos todos os dias, ao lado um do outro, tal como Morgana e Arthur, na estória da "senhora de Avalon": proibidos de se amar, conversando de perto em lugares distantes um do outro, confusos sobre o que nos levava ao encontro, mesmo sabendo que eramos retirados de nossas vidas e objetivos, abruptamente, a cada chamado do destino...

Ele louco, perdido, sombrio, sem saber por onde ir e como se proteger para não pôr a perder seu kindgom. Eu, seca e quente, mesmo sem libido, submissa ao seu sexo, presa às minhas raízes e sem rumo.

Foi avassalador, frio e nublado como os caminhos entre as brumas e Avalon. It's so more "witch tale" of than that "fairy tale"... 

Escutava: "há breu, não vá!" Sentia: "Abreu, não vá!" E esperava que em meio ao breu se ascendesse a minha estrela, para nos salvar daquele lar-birinto, quase inescapável. Perdemos um ser que  não escapou, enquanto tentava nos proteger, nos expulsando daquela mansão sombria: no quintal, na cozinha, no banheiro, na sala... Diana só não conseguia subir e evitar que chegassemos ao calvário onde pagávamos nossos pecados com fúria, mentiras, violência, constrangimentos, vergonha, dor e paixão/doença...

Sucumbimos de sede como aquele ser pré-histórico, qual dinossauros fantasmáticos nos assombrando; ancestral, que em nenhum momento conseguiu lançar suas cores mágicas e protetoras sobre nós.

D-iguana morreu e fui eu a notar que ela estava se esvaindo sob as lavas lançadas do céu em seu couro duro e seco, como nossos corações.

 Não pensamos em alimentá-la, ou hidratá-la, tiramos ela do abrigo daquele mausoléu para secar no sol escaldante, sem notar que enquanto ela procurava água para sobreviver, tentava nos proteger daquelas correntes malditas que prendiam ele ao seu passado, e me prendiam nas garras dos seus mortos.

Ainda estou chocada pelo que passamos e não sei o que sobrou de mim... Outro dia escreverei linhas épicas, mas lúcida, como estou, não poderia esconder as cenas de horror em que estive sobre: mentiras, traição, tapas na cara, garrafas quebradas, dores e marcas no corpo, cheiros e sons constrangedores, além de um encontro infeliz com meus tesouros, que ofendeu a face da minha irmã.

Estive em todos esses eventos, de corpo presente, mas sem alma... e até agora suas músicas abrem meu peito e sequestram meu espírito, por minutos infinitos...

São essas músicas a certeza de que estavamos acompanhados o tempo todo, por almas antigas que nos protegeram no silencioso ser esverdeado e nas nossas pessoas mais caras que impuseram limites aos nossos encontros casuais.

Ao final, talvez conclua que pertencemos a Avalon, embora não como seus personagens e sim como as brumas que pareciam leves, mas eram as barreiras entre dois mundos que não deveriam ter se tocado jamais.

Hcqf 24 de setembro de 2023

quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Uma espécie de nó

 Eu preciso demais ir embora...

Já não quero ficar, estou angustiada e toda atribulada de ocupações reais, que precisam da minha atenção. 

Já não é mais sobre meu coração,  é sobre minha alma, meus sonhos, meu trabalho, meus deveres, meu filho, minha gata, minha irmã.

O que aconteceu nessa última parte do meu peito, o tamanho do desgaste e da tristeza... da ofensa... era pra ter me jogado há metros de distância. 

Fui seca, fui direta... mas estava aberta ao diálogo, transparente como igarapé preservado... onde tudo em mim des-aguou...

Desaguei feito leito de rio, aos poucos, embora suficiente para dar conta de uma bacia hidrográfica... esse significante, a geografia, foi e ainda é, um dos bebês da minha vida... quero a ele tudo de bom. Preciso da existência dele, mas ja não mais com a doença com que o cultivei nos primeiros dias...

Necessito des-aguar, isto é, enrijecer... tornar meu porte mais firme, para quando receber a demanda doente de tristeza, eu possa saber que esse drama, não é o meu... essa tragédia, faria melhor sendo pintada na pele, que nas vísceras...

Falta nele fronteira, falta a ele território... diante dessa ocupação sem limites, sou a história de uma mulher desrespeitada, como tantas... como Rupi, Hilda (minha irmã) e a poeta, Virginia, Conceição, todas e outras...

Eu, em mim, limpei meu corte com poesia... Kaur, Leminsk, Shakespeare... como gosto!

Mas aprendi a saborear a dor... e isso é quase tudo sobre esse nó.

Voltei às quatro linhas da análise... e ainda faltei. Estou cara a cara com meu monstro: Breu Branco a exalar na madrugada... sumo de madeira clara dos interiores do Pará... cheiro de terra, doçura de amor/flor, leve e amanteigado, cheiro amargo, como o azeite da oliva mais nova. 

Desaguei veneno em mim... cuidei de uma espécie de ser, entre o nunca e a espera, escuro e deselegante comigo...

Está na linha entre a vida e a morte, um abjeto triste... e eu desejando o que quero: tirar ele de dentro de mim.

Hcqf, 13 de agosto de 2023