sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Conversa entre parênteses

 Oi? - disse ele quase a sussurar, de um jeito que a voz e a comunicação quase falha.

Ah... oi! - ela levantou a cabeça tão rapidamente, que ao abaixar, foi como se nem tivesse olhado pra ele. Não viu seu olhar,  por estar voltado ao chão. Mesmo assim, abriu a escuta para aquela presença.

(A gente pode conversar? - a primeira pergunta surda naquele encontro).

Você tá bem? - foi o que saltou muro à fora diante de tanto constrangimento.

Aconteceu alguma coisa? - perguntou evitando confrontar o desinteresse escondido nas palavras soltas por trás de alguma intenção acovardada.

Não, nada! 

É, ela sabia que era sobre ausência toda aquela circunstância, assombrada e confusa.

O silêncio veio à tona, era o palco e a cena daquele ato. E mesmo em frente, um do outro, eram a mesma figura a protagonizar um monólogo inaudível.

Contradição,  angústia, anacronismo... inédito não era,  no entanto pela primeira vez estava materializada a saudade, que aquele vínculo gestara em desamparo e esquecimento pelo tempo de um ano naquelas vidas-mornas.

Ao vê-la levantar,  sufocada de constrangimento, mais um gesto desalmado se fez fala:

Onde você vai? (Fica, ainda não dissemos nada - isso que ficou na cuchia não sairia do vale das falas perdidas jamais, porque o coração daquele rapaz era escuro como uma noite sombria).

Tomar café! - Respondeu à gélida constatação a sua frente. O frio lhe assustava, também os filmes de horror e o desamor que está na moda desde que o mundo foi criado pela fantasia humana.

(Posso ir com você? - era o que a vista levantada daquele, agora, pequenino ser, remontava)

Ainda não me disse se está tudo bem? (Foi o que reverberou feito pedra arremeçada num lago, de água parada e turva, em frequência diminuta e quase sem gerar algum som mesmo produzindo uma imagem acústica)

Quem está bem? - provocou ela, em meio ao turbilhão evocado no peito delacerado daquela dor feminina.

Pausa...

Como? - repercutiu a mente sombria após sentir-se atingida por aquele ardil apaixonado.

Com quem você se importa? - revestida de angústia e apelo perguntou, não mais à uma sombra, mas ao rosto incrédulo pela coragem que se mostrara.

Quero saber de você... - desde sempre isso estava limpidamente colocado.

Sim,você quer que eu diga, mas o que? (Ela sabia que existia toda uma outra cena, que ele parecia não querer saber, por isso se mantinha ignorante no trato e na consciência).

Existia, como antes, um limite estabelecido por aquele no lugar de poder e performando a força naquele entrelaço.

Não,  não era um laço, realmente, era antes algo a meio caminho de uma relação, mas que também não criou vínculo.

E os minutos traduzidos em lacunas entre as falas, percorreram o relógio e as sensações naqueles dois universos.

(Não sei o que você pode dizer - demonstrava seu espanto e desconforto)

Tem algo para me dizer? - foi o que saiu, da boca pra fora, mesmo tendo encontrado significância do outro lado.

Tenho muito o que dizer. (Será que eu posso - passando a compartilhar essa outra sala, paralela, ao espaço físico, nesse plano inabitado da situação).

Então me diga (o que fazer - escondeu do lado de dentro essa continuação).

Já não está dito? Blasfemou diante de toda aquela cerimônia sagrada sobre dissimular os sentimentos mais profundos, para proteger-se das paixões da alma. 

O que? (Insistiu o covarde mergulhado de temor e pretensa razão).

O que você quer que eu diga?

(Quero) o que você quer dizer.

Será que você sabe o que quer?

(Os dois planos se confundiram, como quando o diálogo é estabelecido)

Não sei (o que quero de você).

Será que eu teria como saber?

O que?

De você. 

E eu (de ti)?

Eu não quero mais do que você (é).

Silêncio

Os olhos se encontraram, talvez pela primeira vez e eles se re-viraram, entre as distâncias e espaços dentro e fora deles.

O erótico rasgou as cortinas e o tapume, veio a baixo...

Um pouco de cada um coloriu as faces. A boca engoliu a seco, saliva e palavras. Talvez um choro atravessou de uma ponta a outra àquela estrada, que eles percorreram juntos. E um beijo foi dado, entre o vazio e o escuro.

Pouco ou nada, havia antes daquele dia... algo começou a transpassar aqueles corpos, não mais qual lança afiada, mas como um feixe de luz adentrando a fresta que eles escondiam dentro do mais profundo exílio no peito.

Hcqf 30 de setembro de 2022








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