sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Uma coversa que nunca aconteceu

Eu ouvi dizer que ele pensa que sobrou ódio em mim, depois de "tudo" que (não) aconteceu.
Eu pensei: é mais fácil se sentir odiado que amado, por mim. O amor colocaria ele de alguma forma na minha vida... o ódio não, o ódio poderia tirá-lo de uma vez...

Ele também perguntou como poderia me abordar para saber algo. A resposta veio ao encontro do que ele queria, porque a constatação do meu afastamento o libera de qualquer aproximação, por mais fajuta que seja... 

Mesmo assim e porque o amor é alguma coisa que dói, por mais sem sentido que seja... deste mesmo modo, ele ter falado sobre mim, carregou meus sentidos da presença dele, desde o mais profundo até em cima... estou boiando com ele nos meus pensamentos e escapando do afogamento e das tempestades que encontro, toda vez que escuto vir lá de dentro  bem do fundo, seu nome, sua voz e sua presença. Por mais sútil e inútil que seja, me condena a sentir meu corpo, meus sentimentos, minha ilusão e tudo que eu quis.

Há algum tempo, eu cai doente, a rotina e as preocupações me atropelaram e eu tive que reconhecer as minhas prioridades. Ele não estava mais disponível dentro de mim. Sua voz secou, minhas fantasias esvoaçaram, seu fantasma voltou ao reino dos mortos. Fazia um tempo que mesmo pensando nele, eu estava desacompanhada, sozinha e triste.

Foram algumas semanas de alguma derrota moral, qualquer forma de saudade, mas meu acordo comigo me protegeu daquele sentimento mórbido. 
Aos poucos não precisava mais ver, ainda agora não há uma circunstância de curiosidade sobre sua rotina... e o nada ocupou seu espaço muito bem, o nada cabia totalmente no espaço que ele tinha.

Encotrei alguma distração, nossos olhares nunca se encontraram, agora seu rosto se apagara de uma vez... Encontrava seu corpo alto e macio tão num repente, que era como se não encontrasse e isso estava de bom tamanho para conter o transbordar de sentimentos que ele provocava em mim.

Ele chegava, eu saia... não frequentamos os mesmos espaços... somos estrangeiros que compartilharam um dialeto portuário, por alguns poucos dias, e para nada mais servia aquela transmissão de signos vazios sem direção , vagos e de propósito, sem sentido...

Se eu disser que queria voltar a considerá-lo com a frequência de antes, é mentira: afastado, ele me protegia de mim e dele; perto, ele é só mágoa e saudade.

De repente a pergunta sobre como me abordar repercutiu no meu universo dissidente... uma surpresa esperada há mais de um ano... agora sem sentido de existir, abalou meu pequeno refúgio construído para me proteger dos monstros que ele me faz acolher, toda vez que algo dele toca minha escrita de mim...

Agora que sei que por alguma motivação qualquer, ele disse que ao menos pensou sobre meus sentimentos em relação a ele, ou mesmo que poderia falar comigo, sem explicar se teria alguma razão para isso... agora esse gesto distante, totalmente abafado, ecoa junto com as batidas do meu coração...

No vácuo, de onde eu o arranquei, o nada fez barulho, como uma moeda num recipiente metálico: não dá pra saber o material  ou mesmo espessura, tamanho, peso, ou massa... mas a imagem da queda desperta. Caiu algo que podia ter sido meu, é assim que eu encontro ele em cada desdobramento do que ele não me fala, das vezes que ele me evita e se constrage com a minha existência...

Nessa hora já recupero alguma moção mais agressiva, e revejo o desagrado inteiro que ele demonstra ao me ver... ele poderia nunca ter me conhecido, e algo estaria intacto, naquele pedaço de caminho deixado escondido pelas nossas diferenças e até por algum receio de ser desmascarado em sua tola falta de gentileza.

Cordialidade, amabilidade e inteligência são também muros de proteção, aos desavisados. Para lá da parede só alguns convidados são aceitos. Eu que não costumo servir à solenidades,  ou que tenho pouco, ou nada de requinte... eu nunca atravessaria os portões pesados de entrada... eu sou de fora-rasteira, uma estrangeira que remete ao perigo das coisas rasas, pequenas, que vagam entre os caminhos aguçando perguntas e deixando as respostas soltas...
Não sou o tipo que barganharia simpatia, também não encontraria motivo suficiente para fazer morada. Sou feita de muitas despedidas, cada uma impunha suas cicatrizes no meu (re)trato. Desde então,  a forma como alcanço o outro também é sobre idas e vindas, e por vezes destratos... em desacordo passo alguns dias em algumas vidas, alguma bagunça, alguma despesa, mas poucas lembranças eu abandono, apesar de guardar muitas histórias e pessoas.

Se alguma coisa fosse possível responder para alguma pergunta dele, eu teria que falar o mais rápido possível... não existem palavras diante do porto solitário em que esperei ao menos sua amizade... o dialeto da ausência é fumaça... inapreensível, não é feito pra explicar, posto que o inexplicável o contorna... bagunça, interroga e desata... só cabe um adeus, de lado e sem esperar nada.

Hcqf 30 de setb de 2022


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