segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

Do sabor-saber ao saber-sabor

 Do saber-sabor ao sabor-saber:

Um amor carnal, tem uma ética carnívora por saborear o gosto do corpo do outrem em uma refeição sem etiqueta.


Tal como a ética do desejo, envolta no ritual de alimentação mais primevo, pelo qual o bebê apreende o gosto/gozo da vida ao esperar o que vem do outro e libertar a fera: desejar.


É primordial que o desejo de se relacionar se cumpra, para que a ceia antropofágica aconteça. 


E a transferência de sentidos, significados, sentimentos e sensações nas múltiplas linguagens é o que proporciona tamanho saber-sabor.


E as perdas cabais contidas em cada pedaço a alimentar o anseio bestial, são deglutidas com sofisticada elaboração, quando o sentimento se desfaz na boca deixando como lembrança o sabor-saber.


Uma experiência paradisíaca em meio ao deserto da vontade de voltar a se satisfazer. Inferno a premeditar o céu, que a boca procura no corpo que contorna diante da fome de amar.


É solene a metáfora, mestre e discípulo a qual se refere Rubem Alves* sobre cozinheiro e aprendiz no lindo texto "Variações do prazer": a única hierarquia que vigora não coroa nenhum dos envolvidos.


É preciso humildade e pouca pompa e circunstância para se entregar numa relação de amor.


Contudo, ceder é o mais alto prazer conquistado por quem não se importa de entregar pedaços caros ao bel prazer.


Fica num nível menor da existência quem come com vigor, pois o lugar privilegiado está em sentir os cheiros a aguçar os sentidos; ao colocar a mesa para que o outro entregue-se sem pudor e receber um significado estrangeiro ao ouvir que está delicioso. 


Nutrir de afeto é uma poesia emprestada aos cozinheiros pelos deuses e que desde a mais tenra idade deixa faminta a alma.

Hcqf 4 de jan de 2022

Nenhum comentário:

Postar um comentário