terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Seia

Enquanto se reflete sobre (um) amor, não é incomum encontrar escritores, seus textos e seus personagens universalmente reconhecidos sobre o tema: Shakespeare, Romeu e Julieta; Machado de Assis, Capitu, Bentinho; Jane Austen, Emma; Platão, Sócrates; etc. A lista é muito grande e não é sobre a vasta literatura romântica o que me proponho a dis(correr). 
A questão que me tocou foi que o texto mais conhecido, comentado e citado sobre o amor, é "O Banquete", o qual tem como cenário uma celebração com comida e bebida.
Isto é, não é o fato de ser uma festa, e ainda assim isso também importa. Todavia, que em meio a comemoração haja comida e bebida, provavelmente em abundância. 
Não que a quantidade esteja em evidência, mas que entitular a narrativa com o tema, banquete, simpósio, festa com bebida, em si remeta à fartura (escuto faltura, fratura). Embora o que se coloca em questão vai para além de: o que se comeu, ou bebeu e o quanto se fartou, ou mesmo o motivo daquele banquete.
Entorno da mesa, medicina, poesia, política, dialética e filosofia a elogiar outra arte humana, talvez a "arte mãe". E neste contexto, alimentar constrói um sentido para o fio que conduz cada tentativa de contar a gênese de amar.
E origem também ajuda a costurar esse cenário, onde cada estória conta um pouco sobre aquele que a escolheu.
Como que rememorando o quanto de amor foi em si regado, cada (his)tória parece mais ou menos satisfatória. Como quando o prato preferido é servido frio demais, ou um pão repartido é capaz do milagre da satisfação.
Não é sobre sentar e despejar a fome, de uma vida, em inúmeras colheradas. Faz mais sentido a gota que alivia a sede do amar descabido com a lágrima do reencontro; ou da despedida, ao transbordar do ser em busca do que lhe faz falta quando perdido.
E perder a hora da comida não é grave, mas perder  a fome é, remete a deixar de ter desejo por alimentar o corpo, a mente e a vida. 
Talvez uma lembrança esquecida, que faz o sentido-ser vacilar.
Talvez, a força da lembrança de ter sido alimentado de amor em meio ao desejo de ser amado, faça uma narrativa sobre celebrar com comida e bebida, resgatar a história mais antiga de humanidade: satisfazer-se com o outro.
Daí em diante: precisar de alguém é humano; não se sentir sozinho é social; amar é romântico;
Mas encontrar (um) amor é banquetear na vida, isto é, uma celebração erótica com comida e bebida de lamber os beiços, que dá água na boca. Afim de chegar à antropofagia que satisfaz a carne e a alma.
E porque desmamar está na ritualística de amadurecimento do pequeno ser, a gula é chamada de pecado, quando na realidade é o desejo bem guardado de se fartar de amor na "seia".
H. C. Q. F. De 2 de fevereiro de 2021.

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