sábado, 9 de agosto de 2025

Histórias de bolso

Realmente nunca fui suficiente...

A primeira vez que me trocou a moça dividiria com ele um apartamento no centro, sonhos de melhorar de endereço, ficar mais perto de onde tudo acontece...

Aconteceram outras mulheres: uma da capital, outra dona de bar, a amiga separada de uma médica... 

Não alguém modesto: filho pequeno, nenhuma herança, aluguel atrasado, um mestrado de lado, sem sobrenome, nenhum padrinho, um espelho exigente, muito trabalho para pagar só algumas contas, amigos só os do coração e uma família bem pequenina que cabe dentro de sonhos de cidades distantes do centro.

Contudo, sempre encontrava meu telefone na solidão da cidade grande, depois do happy hour, quando não faz mais sentindo a rotina do horário comercial, a carreira brilhante e a conta corrente.

Mas ele conquistou seu maior sonho de consumo. Ela era um troféu: sem filhos, estabilidade profissional, casa própria, preocupada com o mestrado e a mãe, gostava de camarão e vinho rosa. Essa lembrava os meus traços e juventude, tão pequena quanto eu, mas tinha medo de envelhecer e decepcionar, como eu nunca tive.

Foram quase cinco... semanas sem me procurar... conheci outras companhias noturnas, um pobre amante e cumpri todos os meus prazos... até vivi um sonho inimaginável em um evento acadêmico, que me custou voltar a responder mensagens de madrugada. 

Quer dizer, após quase dois meses em lua de mel com sua sereia da água doce, passou a enviar as mesmas mensagens de músicas perdidas nos anos 90, esquecidas em sacos de roupas sujas há algumas semanas.

Os convites também voltaram, como sempre só muito depois do 5o dia do mês, quando era mais útil alguém sem grande pretensão salarial, que aceitaria a geladeira e a barriga vazia e histórias sobre coleções de pequenas derrotas, cheiro de urina e cerveja no quarto e na boca.

Eu vi começar e acabar o compromisso com a menina dos sonhos e ele passasse a viver algumas semanas na companhia de um pesadelo...

Eu... agora frequentei lugares mais escuros e inóspitos do que no subúrbio. Na capital os garçons dos bares também fazem a segurança, não tem caderno e eles expulsam a chutes quem quer beber fiado. 

Ele sempre estava sem capa, endividado, bêbado e carregando a perda da esposa troféu do campeonato de melhores partidos. Fui o abacaxi que ele empurrou pelas esquinas até a cama suja e fria no apartamento bem localizado, perto de tudo no centro da cidade.

Foram assim muitos dias, em quase sete meses, de muitas brigas, tapas, prateleiras de CDs quebrados, vergonha de garçons de bares antigos. Lugares que quase ninguém mais frequenta, depois dos tempos áureos dos falsos ricos de Belém e a ambição de nunca mais voltar para os conjuntos habitacionais da COHAB, ou uma cidade dormitório de mulheres trabalhadoras com sonho de deixar ao menos uma casa pros filhos.

Faz um tempo que eu não atendo os chamados noturnos, que coloco limites na minha carência... Tomo banho, passo hidratante e durmo cheirosa do lado de quem me aceita sem imaginar minhas dívidas e quanto eu tenho no banco. Acordo com meus sonhos salvos e olho nos olhos de quem vê o meu valor para além dos meus diplomas, mesmo assim acredita que ainda vou conseguir aquele desejo pequenino que escorre quando não posso realizar um pedido do meu filho.

Ele continua mandando mensagem de madrugada, "apenas como amigo", mas é sempre ele que precisa ser resgatado bêbado de madrugada, ou quer compartilhar uma música muito triste e sem sentido... 

Sou eu que sou a amiga... eu que posso ajudar, salvar, mesmo sem ter garantia alguma... Alguém que não pede nada em troca, como é difícil de encontrar nas grandes cidades e nas mentes afogadas no mundo capitalista.

Isso que reflete quando alguém olha pra mim, não veio de agora, não. Foi plantado no quintal de uma casa caindo aos pedaços num bairro perigoso do estado mais pobre e abandonado da minha nação. Onde ninguém tinha muito, aprendi a viver todo dia esperando o tempo do jambo, da castanheira e das flores que coloriram as ruas... elas pintaram paisagens lindas nos meus sonhos e ainda agora deixo um bocado colorido os lugares por onde passo.

E de novo fui trocada, não como a amiga que sou, mas como preza desses olhos de águia... outra mulher com estabilidade financeira, que ganha bem e tem um apartamento bem localizado. Mas agora como eu (e outras de suas caças) é uma mãe, o que ele justificou sobre ela, na minha janela como uma característica que nunca impediu um compromisso comigo. Faltou em mim outras coisas, acredito que materiais mesmo, de apalpar, de enfeitar, de mostrar nas fotos e nas reuniões de família e amigos. Diferente de alguém pequenino, espontâneo e que não faz mais sala, essa mãe é um excelente partido com uma conta bancária, cartão de crédito, nome limpo e um filho adulto... Uma vida organizada, esperando uma ambição de mostrar para os outros viagens, shows e ganhar relógios e blusas de manga longa e um bordado no bolso.

No final, essa história é sobre esse pedaço de tecido que antes era costurado a roupa, mas hoje costurado ao corpo parece ter perdido o fundo. Nesses tempos o que importa é quanto cabe no bolso... não alguém como eu, que me preocupo com o que trago no peito e estou sempre esvaziando: a bolsa, as correntes na conta e o coração carente.

Eu não sou o suficiente para mostrar que tenho, porque procuro viver apenas com o que sou.

Hcqf 9 de agosto de 2025

Pensei (7 de agosto de 2021 - depois vejo o que é isso).


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