domingo, 27 de julho de 2025

Her-story

 Muitas vezes, isso porque é mais do que deveria, espero muito para me retirar/partir... Até talvez na realidade espere, mesmo, ser retirada e partida enceno uma vida.

Não "Impávida como Morramad Ali" - ocorre-me essa lembrança em canção - porém passiva, covarde e constrangida como uma personagem desnecessária, cuja função é confundir o interlocutor para que desfocado chegue ao clímax preparado para emoções intensas, um posicionamento acerca do horizonte e blá-blá-blá. Blazê,  clichê e demodê - o mais perto da França que cheguei. 

Alguém substituível. Nem dispensável, nem central... Aleatória... como se o criador estivesse distraído o suficiente para deslizar fantasia e criatividade, irresponsavelmente, por alguns momentos da trama. Tal que distrae o leitor e desloca a atenção do que realmente importa: vivenciar.

Quer dizer, por algum tempo, na minha própria vida, desvio dos meus medos e de qualquer responsabilidade, para gastar vida com o que me engata e desgasta. Saio cansada dessa rota sem sentido e demoro algum tempo para saber onde estou, se na minha história ou em uma ilusão de alguém, já que nem os parâmetros, músicas,  livros, que adoto são meus.

Já chamei isso de paixão, declarei ser adepta desse vício em desgaste... mas alguns anos diante dos meus sonhos e confrontada pelos meus medos, achei que um recuo desse de vida já não me serviria.

Um sofrimento desmedido pelo quanto perco de energia vital nessas tramas sem futuro. 

Lembro de um caso ocorrido com um companheiro de travessia, na clínica: a paixão por uma protagonista que lhe custou o vilão dos seus sonhos.

Vou devagar mais um pouco... porque essa história é muito interessante...

Ele vinha de alguns papéis de mocinhos, galãs e por isso almejava conquistar um antagonista, que ele acreditava ser um grande desafio, visto sua experiência com "bons moços". Apaixonou-se pela heroína, que tinha um caso lascivo com o principal vilão. Estava ali sua fantasia materializada: tomar sua amada diante do público, tal como não fora possível na realidade.

É preciso esclarecer que eles tinham um relacionamento, porém sem consumação sexual. Existia toda uma atmosfera de pureza devotada àquela moça, que não condizia com a sua personagem na peça, mas que se cumpria em atos mesmo diante de beijos intensos e ativadores do sistema nervoso parasimpatico e límbico do rapaz.

No entanto, após alguns testes, o diretor designa que ele estava pronto para um desafio importante na dramaturgia: a comédia. Arte complexa, a caçula das filhas da poética, a qual também desponta na cultura clássica como um gênero grego sofisticadíssimo, sendo o fruto mais distante da sombra da árvore: se é difícil o limite entre o humor e a tragédia, é ainda mais difícil rimar diante das tristezas e perdas. Talvez seja o nascimento da prosa.

Cego para a oportunidade que se colou a sua frente, aparece em cena a imaturidade daquele ator infante. Na realidade estava na companhia algo em torno de dois anos, talvez incompletos, e o responsável pelo grupo havia criado o ambiente perfeito para avaliar seus ganhos profissionais até ali. Vendo-o apaixonado, talvez quisesse ver até onde ele conseguiria separar a atuação da vida real, pois quase sempre desenvolvia um romance com suas colegas de elenco.

Deu-se a tão temida reprovação: ele aceitou muito contrariado o papel cômico e uma caracterização indispensável de mudar sua aparência pintando o cabelo. Nada deu certo, naquele semestre o rapaz saiu de outros trabalhos que vinha fazendo desde que entrou no grupo, mas por convicção de que precisava repensar sua vida (no teatro), pelo que achava ser uma escolha equivocada do diretor em colocá-lo no papel errado.

Com tudo, na vida pessoal, o relacionamento com a protagonista já vinha dando sinais de desgaste: encontros curtos, muito mais ao acaso, além de muitas negativas da moça.

Tomado muito mais pelo entorno, do que pelas demandas de sua vida e exigências de trabalho, o ator encena desmotivado e desacredita de seu talento. Perde outras oportunidades de testar sua competência e prefere tirar férias, o que já não fazia desde a entrada na companhia. Nesse momento também abre mão da análise, por quase 8 meses.

O Deus do Teatro não poupa seus filhos, tal como seu pai não o fez. Todavia, um teste não desqualifica para a vida, apesar de reprovar para uma determinada posição. O que pode ter as mais variadas consequências - desde onde não se deve estar, ou de onde partir, até para onde ir...

Viver não é atuar, vamos para a vida com todos os nossos sentimentos, mas em meio a um cenário fantasístico precisamos desenvolver mecanismos de proteção, armas e estratégias para confrontar medos e até paixões diante de obstáculos que nos impomos para não nos responsabilizamos pelo que desejamos.

Nosso protagonista, assim que pôde, imediatamente retirou a tinta do cabelo, refez um semblante mais sensato e voltou das férias ao consultório meses depois do retorno das aulas na companhia de teatro. Desta vez não trouxe nenhuma nova empreitada cênica, apenas suas questões antigas com as quais nos defrontamos algumas vezes.

E é isso que quis encenar... tenho alguns pontos deixados de lado ao longo dessa temporada de vítima desse grande vilão. E até questões bem antigas se reafirmarando após esse período longo de deslocamento e fixação de energia vital em uma pedra do caminho. 

É bem isso, passei anestesiada a maior parte de um objetivo que nem me atrevi sonhar... agora dentro de um sonho, preciso acordar para sentir algo do que fiz para conquistá-lo e ainda preciso fortalecer para construí-lo.

Velhos questionamentos, os mesmos conflitos sobre merecimento, autoestima, inveja... alguns personagens repetidos... a rivalidade feminina... e o desamparo que me castrou pequenina, mas não amputou meu órgão de sonhar: a mente. Tenho muito trabalho, mas preciso de um guia para não perder de vista a minha forma avistar: amo escrever.

Hcqf 27 de julho 2025 - as férias acabaram.

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