quinta-feira, 31 de julho de 2025
Carta ao cotodiano
Desvendar os ouvidos
Uma vez descobri que o Fracasso chega de mala vazia e parte com ela cheia, deixando a gente leve. Isso foi depois de vencer uma dor muito grande.
Agora vencida, lembrei de questionar a Vitória que chegou com uma enorme bagagem e partiu sem nada. Ficou tudo para trás.
Então, descobri que é mais fácil esquecer o que se ganha, do que o perdido.
Lembrei que ilusão e desilusão quer dizer a mesma coisa em momentos diferentes. Ilusão é quando ainda não passou, já a desilusão é quando nada restou. Então, desiludidos somos capazes de ver tudo que (h)ouve e desvendar o ouvido.
De tudo se recupera quase nada e ao final isso é o que permite leveza para chegar mais longe, sem tanto peso no coração.
Hcqf 31 de julho de 2025
domingo, 27 de julho de 2025
Piegas
Ele usa o vocativo, "baby", para criar uma atmosfera falsa...
Não me serve mais!
Como refrães piegas das bandas decadentes que escutei na esquina de um banheiro público na via arterial de uma pequena vila querendo ser uma grande cidade.
Hcqf 25 de julho de 2025
Her-story
Muitas vezes, isso porque é mais do que deveria, espero muito para me retirar/partir... Até talvez na realidade espere, mesmo, ser retirada e partida enceno uma vida.
Não "Impávida como Morramad Ali" - ocorre-me essa lembrança em canção - porém passiva, covarde e constrangida como uma personagem desnecessária, cuja função é confundir o interlocutor para que desfocado chegue ao clímax preparado para emoções intensas, um posicionamento acerca do horizonte e blá-blá-blá. Blasé, clichê e démodé - o mais perto da França que cheguei.
Alguém substituível. Nem dispensável, nem central... Aleatória... como se o criador estivesse distraído o suficiente para deslizar fantasia e criatividade, irresponsavelmente, por alguns momentos da trama. Tal que distrai o leitor e desloca a atenção do que realmente importa: vivenciar.
Quer dizer, por algum tempo, na minha própria vida, desvio dos meus medos e de qualquer responsabilidade, para gastar vida com o que me engata e desgasta. Saio cansada dessa rota sem sentido e demoro algum tempo para saber onde estou, se na minha história ou em uma ilusão de alguém, já que nem os parâmetros, músicas, livros, que adoto são meus.
Já chamei isso de paixão, declarei ser adepta desse vício em desgaste... mas alguns anos diante dos meus sonhos e confrontada pelos meus medos, achei que um recuo desse de vida já não me serviria.
Um sofrimento desmedido pelo quanto perco de energia vital nessas tramas sem futuro.
Lembro de um caso ocorrido com um companheiro de travessia, na clínica: a paixão por uma protagonista que lhe custou o vilão dos seus sonhos.
Vou devagar mais um pouco... porque essa história é muito interessante...
Ele vinha de alguns papéis de mocinhos, galãs e por isso almejava conquistar um antagonista, que ele acreditava ser um grande desafio, visto sua experiência com "bons moços". Apaixonou-se pela heroína, que tinha um caso lascivo com o principal vilão. Estava ali sua fantasia materializada: tomar sua amada diante do público, tal como não fora possível na realidade.
É preciso esclarecer que eles tinham um relacionamento, porém sem consumação sexual. Existia toda uma atmosfera de pureza devotada àquela moça, que não condizia com a sua personagem na peça, mas que se cumpria em atos mesmo diante de beijos intensos e ativadores do sistema nervoso parasimpatico e límbico do rapaz.
No entanto, após alguns testes, o diretor designa que ele estava pronto para um desafio importante na dramaturgia: a comédia. Arte complexa, a caçula das filhas da poética, a qual também desponta na cultura clássica como um gênero grego sofisticadíssimo, sendo o fruto mais distante da sombra da árvore: se é difícil o limite entre o humor e a tragédia, é ainda mais difícil rimar diante das tristezas e perdas. Talvez seja o nascimento da prosa.
Cego para a oportunidade que se colou a sua frente, aparece em cena a imaturidade daquele ator infante. Na realidade estava na companhia algo em torno de dois anos, talvez incompletos, e o responsável pelo grupo havia criado o ambiente perfeito para avaliar seus ganhos profissionais até ali. Vendo-o apaixonado, talvez quisesse ver até onde ele conseguiria separar a atuação da vida real, pois quase sempre desenvolvia um romance com suas colegas de elenco.
Deu-se a tão temida reprovação: ele aceitou muito contrariado o papel cômico e uma caracterização indispensável de mudar sua aparência pintando o cabelo. Nada deu certo, naquele semestre o rapaz saiu de outros trabalhos que vinha fazendo desde que entrou no grupo, mas por convicção de que precisava repensar sua vida (no teatro), pelo que achava ser uma escolha equivocada do diretor em colocá-lo no papel errado.
Com tudo, na vida pessoal, o relacionamento com a protagonista já vinha dando sinais de desgaste: encontros curtos, muito mais ao acaso, além de muitas negativas da moça.
Tomado muito mais pelo entorno, do que pelas demandas de sua vida e exigências de trabalho, o ator encena desmotivado e desacredita de seu talento. Perde outras oportunidades de testar sua competência e prefere tirar férias, o que já não fazia desde a entrada na companhia. Nesse momento também abre mão da análise, por quase 8 meses.
O Deus do Teatro não poupa seus filhos, tal como seu pai não o fez. Todavia, um teste não desqualifica para a vida, apesar de reprovar para uma determinada posição. O que pode ter as mais variadas consequências - desde onde não se deve estar, ou de onde partir, até para onde ir...
Viver não é atuar, vamos para a vida com todos os nossos sentimentos, mas em meio a um cenário fantasístico precisamos desenvolver mecanismos de proteção, armas e estratégias para confrontar medos e até paixões diante de obstáculos que nos impomos para não nos responsabilizamos pelo que desejamos.
Nosso protagonista, assim que pôde, imediatamente retirou a tinta do cabelo, refez um semblante mais sensato e voltou das férias ao consultório meses depois do retorno das aulas na companhia de teatro. Desta vez não trouxe nenhuma nova empreitada cênica, apenas suas questões antigas com as quais nos defrontamos algumas vezes.
E é isso que quis encenar... tenho alguns pontos deixados de lado ao longo dessa temporada de vítima desse grande vilão. E até questões bem antigas se reafirmando após esse período longo de deslocamento e fixação de energia vital em uma pedra do caminho.
É bem isso, passei anestesiada a maior parte de um objetivo que nem me atrevi sonhar... agora dentro de um sonho, preciso acordar para sentir algo do que fiz para conquistá-lo e ainda preciso fortalecer para construí-lo.
Velhos questionamentos, os mesmos conflitos sobre merecimento, autoestima, inveja... alguns personagens repetidos... a rivalidade feminina... e o desamparo que me castrou pequenina, mas não amputou meu órgão de sonhar: a mente. Tenho muito trabalho, mas preciso de um guia para não perder de vista a minha forma de avistar: amo escrever.
Hcqf 27 de julho 2025 - as férias acabaram.
domingo, 20 de julho de 2025
Each other
Eu nunca te olhei com cobiça... E na verdade nunca (nem) vi algo de que verdadeiramente pudesse me acrescentar... Sempre foi com generosidade, vontade de ver crescer...
Muito se perdeu, e foi cedo que percebi a sua altivez diminuir... sua altura é de cumprimento, falta alguma coisa, um "delicado essencial" talvez... algo de se cumprir um desejo de ser... você fica na metade do caminho...
Não consigo explicar.
Tão educado, tão sábio, tão intenso e com pouco... nada.
A educação é de "malandro de bar", de quem tenta dar pequenos golpes em garçons, que é banido de bares sem pagar a conta...
A sabedoria se esvai... suspende o raciocínio e aposta na mentira... decepciona até por não conseguir firmar essa tentativa... é pego e desmorona...
A intensidade parece pó ao vento... de repente uma carreira longa, em pouco tempo uma penumbra no ar... e logo mais, nada.
A etiqueta de um pobre bêbado, a astúcia de um charlatão incompetente e o fulgor de um homem cansado... ao contrário de tudo que mostra, mas faz-se em atos.
Um episódio ridículo entre três jovens demonstra. A mais independente - após fuga do cativeiro de mais de 10 anos - humilha sua recente conquista profissional: "ele contou vantagem, saiu pedindo e não queria pagar a pizza".
Você diz que já esperava que eu me sabotasse na vida pessoal, ao dizer que o último lance demonstrava falta de postura profissional. E não reparo que a ofensa é maior do que percebo: você realmente demonstra que não me admira no que se refere a como me cuido, me protejo, escolho meus desafios... E se vale disso para me manter cativa.
A postura infantil com coisa de trabalho é bem mais ridícula de explicar que a tal da sabotagem na vida amorosa (que com você nunca existiu): como uma saída pós-festa às 1h tem a ver com trabalho?
Se você costuma ter reuniões de trabalho após beber e com garotas que você tem relações furtivas depois do horário comercial... realmente existe um problema quanto a postura profissional, mas não da minha parte.
São tantas camadas de erros, mas um ainda precisa ser esmiuçado, pois é o motivo de todo o deslocamento até chegar nele: o fracasso sexual.
Você achou que estava conquistando uma nova parceira sexual, quando na verdade a moça confrontou sua mesquinharia financeira, deixou à mostra sua renda ainda insuficiente para seus luxos, desqualificou o produto que tentou vender para ela, ganhou uma humilhação da pessoa com quem queria se satisfazer.
Nessa noite, com certeza, você não iria conseguir ter uma performance sexual eficiente, quanto mais intensa... rsrs
Sua educação alemã não fez qualquer diferença diante de uma comanda de pizza média diante de uma mulher independente financeiramente...
Nesse momento recordo seu canto, a plenos pulmões, para impressionar a moça com seu inglês, seu estilo musical e sua banda de rock... E tudo desmoronando por você não ter se colocado à disposição para pagar a conta.
Agora entendo o seu gosto para mulheres, sua ex também desaprovaria a insinuação para ela pagar a comida e você a bebida. Pode até ter acontecido, vezes suficientes para ela terminar. De alguma forma entendi tudo: eu já sabia que não te exigia nada e ainda entendi que a questão é financeira, realmente.
Você diz que é um potencial de ser, você tá falando de dinheiro. Que vai se concentrar para ter, mas vai perder tudo em prazeres vis. Ela percebeu isso, eu não me importava, porque tentaria não te ver chegar aí - na futilidade dos vícios ou na ambição desmedida, qualquer uma, ou ambas.
No entanto, isso implica tanta coisa que talvez você não devesse mesmo abrir mão: como sua máscara de sedutor barato que não faz jus a magnitude de seu apetite sexual; ou deixar de querer ser influente para com humildade chegar talvez um dia a ser uma referência; ou ainda ter coragem de ter pouco, parecer com isso que você é, para pisar no chão e impulsionar voo. Coisas que nem importam tanto no mundo capitalista, para o qual você está (des)preparado e eu não tenho munição.
É triste ver um potencial perdido, contudo não ver potencial em alguém é ainda pior. E é isso o que enxergamos quando estamos perto um do outro.
Hcqf 21 de julho de 2025
quinta-feira, 17 de julho de 2025
Crônica cotidiana nada convencional
Em meio a rotina e suas trivialidades, o ônibus passando diante de um estabelecimento para fins recreativos sexuais, trouxe uma reflexão despretensiosa, porém curiosa: por que voltar ao mesmo lugar?
Bem, isso aconteceu, porque na saída do motel tinha uma inscrição luminosa - qualidade não avistada naquela hora da tarde com o sol à pino em Belém do Pará - que dizia: Voltem sempre.
A obviedade da indicação trouxe, primeiramente, risos e algumas memórias furtivas. No entanto, o letreiro mostrava algo da ordem do mais que esperado, isto é, do almejado intensamente após uma estadia em um quarto daqueles, na grande maioria das vezes.
Posto que, para estar em um encontro sexual - casual ou não, a qualquer hora do dia - é necessário antes ter planejado parte das tarefas e economias, além de algum impedimento moral a fim de que a ética da satisfação se estabeleça - entre outros critérios, especialmente, o consentimento - com o vigor das demandas em jogo.
Bem, assim sendo, querer retornar para aqueles momentos acompanha a rotina ainda por alguns dias/meses após o acontecido. E é de um mérito muito restrito conquistar certa frequência em futilidades tão gostosas como relações íntimas em um espaço especificamente arquitetado para esse fim.
Logo, "voltar sempre", não se faz mais apenas presencialmente, mas em devaneios dioturnos e muitas vezes inconclusivos, permitindo que a lasciva vontade se reinscreva em fantasias dias e mais dias à fio...
Tamanha obviedade e coerência na chamada, tomou minha tarde de risos e reflexões divertidas ao alcance de algumas lembranças não tão recentes quanto se gostaria.
E eu, que nunca fui àquele lugar, tomei para mim aquela convocação de "volte sempre" a buscar prazer na/pela vida.
Hcqf 17 de julho de 2025
En-canto de liberdade
terça-feira, 15 de julho de 2025
Conversa sem destino
Diz a solidão:
- Vamos?
A saudade responde:
- Você não tem quem levar? E eu, será que tenho porque ir?
- Esse momento é nosso.
- Não, ele é sobre Você.
- Você está resistindo...
- Bravamente, espero.
- Dê-nos uma chance...
- Mais uma? Quantas mais serão ainda necessárias?
- Todas que tiver para mim...
- Tantas e tantas que já se gastaram em finais lamentáveis. Por que de novo? Por que comigo?
- Você não quer?
- Você não quer.
Hcqf 14 de julho de 2025
domingo, 13 de julho de 2025
The cure without dreams of heaven
terça-feira, 8 de julho de 2025
Achismos
Acho que alguém muito elogiado sente falta de sinceridade...
E, talvez, a pessoa quando muito criticada se sinta hipervigiada, ou pelo contrário, até admirada.
Quem é muito generoso precisa conviver com pessoas independentes.
E quem é muito acolhedor, talvez necessite de colo.
Tal como ser amado supõe sossego, mas exige mais cuidado com o outro,
Da mesma forma que amar requer autoproteção.
A paixão esquenta uma vida fria e a amizade os corações partidos.
Tal que amor é coisa de gente com tempo para futilidades e que dão muito valor ao repouso, descanso...
O amar exige certa experiência com inutilidades, brincadeiras, gosto por perda de tempo...
Daí uma grande crueldade capitalista: não permitir pausa, sono, descanso, brincadeiras bobas, preguiça e tudo que entrecorta as carícias depois de um dia cheio e os problemas da vida adulta.
Assim como o que é aponta para o que não está, e o que falta deixa evidências do que esteve, ainda que em promessa, ou sonho, ou expectativa.
Hcqf 9 julho de 2025
segunda-feira, 7 de julho de 2025
quinta-feira, 3 de julho de 2025
(Te)screver
Hoje cedo comecei um poema, mas não o conclui... como encerrar uma conversa com quem não está mais?
Agora, tão tarde, já quase não lembro o que disse... mas sei que tentei representar a tua ausência em mim... talvez por isso faça sentido não conseguir.
Dizer para quem não pode ouvir... Escrever sem poder remeter...
Queria... diria... faria... parece que a saudade criou o futuro do pretérito, isto é, isso que confunde a lógica ligando dois tempos inexistentes: o passado e o amanhã...
Nem aqui, nem agora, os advérbios também referem ao que não aconteceu, já que se vier ainda virá, mas só depois...
E só se vier, isto é, talvez... modo e condicionalidade organizam um muro a ser transposto, ou não acontecerá...
Diante da perspectiva do improvável... em língua brasileira... correspondo ao dialeto anglofônico que cercava nossos encontros... marcando nossa "broken communication".
Enquanto escrevo, fugindo das palavras da manhã, sentindo remorsos no centro do corpo, faço uso de palavras sem sentido, para sentir...
E também não consigo terminar o que tentei (te)screver...
Hcqf 4 de julho de 2025