sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Texto 31 do ano de 2023

 Eu estava lá, mais uma vez disponível, aberta para o que ele quisesse... E ele queria testar limites, jogar... E ganhar o jogo. 

Perdi!

Primeiro, as investidas virtuais e fantasiosas, na rede social... E eu, destruídas todas as minhas defesas, entregue a ele.

Depois, a culpa, o medo de perdê-lo, o encontro, o porre, a emergência... Eu ajudo ele a montar o palco do circo, em que ele vai me expor... Eu sou a atração principal: a idiota que vai fazer ele rir o seu pior veneno.

Veio o encontro, em carne viva novamente. Eu, com a alma de quatro, ele com o mais feroz delírio de subjulgar uma alma perdida. Sou presa fácil, fera abatida, desleal comigo mesma sedo até minhas vísceras, dói tudo quando ele se cansa nos próximos minutos de mim...

A fera dentro dele ainda tem fome... A besta dentro de mim ainda tem sede... Sigo seus passos como cão de rua sentindo cheiro de comida... Mas não é sobre instinto, apesar de me desumanizar, é sobre cultura, machismo predatório, servidão, purgatório.

Dentro e fora desse cenário, escuro e escuso, sou presa fácil... Ele comeu a carne de outro animal, eu experimentei vergonhas desconhecidas: olhos ardilosos sobre meu corpo pequeno se dirigindo qual criança "pedixando" aos pais e sendo ignorada por ser um pinguinho de pessoa.

Saímos daquele estabelecimento, onde os olhares em diferentes tons de pele, cargos e funções, castas de homens arrancaram alguns pedaços das minhas vestes, também.

Foi quando, não aguentando mais a minha presença, organizou o próximo ato, uma cena de novela, em que ele fingiria se importar com meus sentimentos, enquanto preparava o merchandising que eu faria de mais uma de suas mentiras.

Somos muito diferentes, eu não destrato nem meus inimigos, quanto mais quem me secreta sentimentos íntimos e desgraçados de pura tristeza e dor entre a soma e o anímico.

Estive no lugar mais temido, por um homem, na mesa do seu pior amigo, antes dele se mostrar o que foi todo tempo.

Outra mentira e eu estava a algumas quadras da mesma redonda vizinhança pela qual eu iria deixar pedaços do meu coração pelo caminho, para saber como voltar, sozinha, desprotegida, vulnerável pela floresta/mar da vida.

Sentamos em outra espelunca, com a qual ele harmoniza meu jeito modesto de me portar. Está frio, eu sem sutiã e de blusa (tomara que caia), combino com o ambiente, enquanto confesso abusos, desleixo, negligencias comigo, parecendo uma meretriz de esquina, com o primeiro homem sem alma da Grande Noite, existente desde a Grécia antiga, subsumida no neon desumano do centro da cidade serena.

Enquanto derramava meus prantos, sem colocar um pingo de lágrima pra fora, alternava razão e loucura, ciência, poesia e violência, em uma mesa de ferro descascado, na beira de uma rua, ladeada de puteiro, uma sauna, aquela figura enorme e que pesa em mim e a sua casa.

Ele derrapa e confessa amores, são mulheres com quais ele não soube jogar... Porque antes de se armarem as jogadas, emplumam-se de si mesmas e ele nada pode com quem se ama, seja o amor que seja, a quantas dores de polegadas.

Descubro de onde vem Bocage e onde ele se esconde/esquece Dickinson; reencontro Herman Herss, Freud, Nietzsche e hoje sei que também estava em alguma mesa Hilda Prado: fumada da cabeça mas com o espírito bem vivo, anjo gauche, me protegendo, me fez economizar dinheiro, pegar o carro de aluguel na hora por tino meu, veio comigo para eu não sentir a porrada que agora sinto. 

Precisava ser tudo no mesmo, maldito, dia/noite para guardar na mesma gaveta, dos abusos sofridos.

Agora, já com mais de 30, enfim conheci os homens, pela primeira vez. Só havia me relacionado com meninos, com sinto falta destes, tal como chora triste meu peito, pela distância do meu filho.

Conheci a "raça" maldita que humilha, escraviza, doma, agride, prende por prazer: patriarcado. Encontrei alguns velhos de quem tive nojo. Foram algumas vezes que passei por isso, por referir sensibilidade e fragilidade no corpo pequeno e alma vibrante.

Sempre um estintor que tenta apagar a chama feminina, hoje sei que conheci, pelo menos alguns destes: de leão, foram dois, um deles fera sarnenta; dois outros esportistas, um nadador miúdo e outro um pequeno lutador de jiu-jitsu... Mas igual o escuro, mesmo meu pior inimigo, ainda não tinha visto, e agora espero que seja o único da minha vida (em todos os sentidos ainda, mas vai passar, espero demais isso).

Essa outra metade do pesadelo, vim confessar no meu canto, por acreditar que situações destrutivas quando narradas viram lições para a vida. Quero me escutar mais vezes, melhor, como fiz agora.



Hellen-a, HCQF 23 de novembro de 2023


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