De novo caí em uma cama vazia... Mais um homem sem intuito de vínculo comigo, mais uma alma penada pro meu sótão mal assombrado.
Sei lá... Eu sei dos dispositivos sociais de subjetivação, eu sei das tantas e tantas dificuldades em se construir uma relação... Mas me deixei levar.
Ele tava lá, sem opção, precisando renovar os parâmetros para se desligar de outra pessoa... E eu quietinha, de alguma forma satisfeita com minha solidão... Ovulando, é verdade... Mas antes de tudo, humana, sem esperar um alguém.
Veio ele, suas derrotas pessoais, suas canções vazias e suas palavras pontiagudas mirando os meus sentimentos.
Eu sei, tem uma vulnerabilidade que enlaça o feminino como caça no social, mas a escolha parece ter um critério: uma mulher se erguendo, com suas experiências ruins, seus traumas... Tem um alvo no meio do meu corpo, invisível para mim, mas que reluz para os mal intencionados...
Tantas ressalvas para falar de uma noite de passeio, de conversas e intimidade em abundância. Como pode? E muito questionamentos: foi algo que eu fiz? É o meu corpo? Foi por eu ter aceitado não pagar nenhuma conta? Não sei, parecia que ele queria proporcionar, mas eu deixar foi errado? Não sei... Eu fiquei muito à vontade? Me dei demais? Ele não queria? Ele enjoou? Aconteceu tudo que podia acontecer? Nada era verdade?
Não tem aquela inocência de antes, em que um abraço era sobre abrigo, o beijo era uma entrega viva, o sexo era o último recurso possível para aquecer as lembranças quando a distância era irremediável.
Não. Música, letra, canção, violão... Nada estava lá de verdade, era tudo cenário: o arrepio, cada gesto, cada toque, cada palavra... Tudo pensado para conquistar por algumas horas... Mas podia ser minutos, podia ser o dia todo (ele perjurou)... Mas não existia depois.
Pode haver chamada, por mensagem, por figurinha, talvez chegue a covardia de uma letra aleatória... E o nada vai tomando forma, tudo que nunca esteve esmaece e a fumaça abandona o ambiente deixando frio cada canto e destaca a vergonha no centro.
Meu corpo tomado de engano... Não era sobre a beleza no chuveiro... No final era sobre as sobras de um jantar sem pompa e circunstância, para ninguém importante. Menos que alimentar, era sobre oferecer restos apodrecendo por dentro.
Homens famintos de estômago cheio e peito seco. Mulheres entregues à miséria dos seres: desamor, mentira, ilusão, abusos...
Meu corpo tem pequenas lacerações: dói a minha intimidade, minha boca sofreu algum machucado, a parte mais interna da minha língua, incrivelmente, inchou, está dolorida com uma espécie de elevação incômoda... Embora, mais internamente, bem no fundo, uma frieza ecoa feito aviso de temporal. O tempo parado, nem um vento a soprar, nada se movimenta e o espaço parece testemunhar o vazio mais cruel experimentado: a rejeição.
Está sim, está doendo, mas ainda não sei. Tem um silêncio ecoando longe... Por que? Por que tanta mentira para experimentar um corpo? Para que amordaçar a alma vassala? Não era para encantar, então por que a música? Não era para marcar, então por que o carinho? Por que chegar tão perto?
Ele contou, sem querer: não faria um convite sórdido para alguém especial, então, independente do que fizesse, nada daquilo era sobre consideração. Não havia intenção de desrespeitar, mas de encenar, mentir... E estava tudo em ato, desde o começo.
Dado o contexto, o que será contado sobre uma noite agradável com um homem, não é nada mais do que uma ficção resgatada em palavras para depurar um engano compartilhado.
Hcqf 14 de julho de 2024
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