1o momento
Ele percebe uma brecha na agenda para realizar uma fantasia qualquer e procura uma forma de entrar em contato com alguém do seu passado, quando mais jovem e menos calejado de amores vis.
Ao receber a primeira mensagem, lembranças recortaram a surpresa pela chegada inesperada daquele visitante. Ela foi solícita, mas recuou sempre que pode em meio a alguma sutil investida. Fumaça e silêncio, de novo em cena.
2o momento
Outro recado descompromissado, respostas prontas... Nada ia além da natureza daquela janela e sua virtualidade.
Embora uma primeira investida tenha surgido, tímida como a intenção de ser fulgaz, tudo era impermanência naquele dia, como naquele rapaz.
Alguma pergunta, às vezes sem resposta, sempre uma esquisita não-presença.
3o Ato
Ele reaparece com um pequeno gesto confuso... Talvez não fosse para se comunicar, mas já comunicava algo.
Ela despreza a insensatez da abordagem e ele reage expressando em palavras um convite sem jeito, sem destino, um lance despretensioso que encontrou uma mulher cansada e saudosa no calor de um quarto.
Mesmo assim, foram estabelecidos parâmetros não-protocolares para testar a intenção de que aquilo se efetivasse. Ela cedeu, ele aproveitou.
4o Ato
Um desencontro de entrada e uma falsa intimidade que contagiou a situação toda. Conversas, assuntos diversos. Ele queria comprar algo, ela não estava à venda, mas logo ganhou um preço.
Iniciou o passeio pelo passado dele.
5o Ato
Andaram por lugares, falaram de histórias antigas, parece que havia um tipo de conexão...
Mas ele não estava inteiro em nada, nenhum gesto, nenhuma palavra... Tudo parecia mel, ainda que na verdade, a doçura fosse sintética, plástica como petróleo manufaturado... transformado em coisa, objeto descartável.
6o Ato
Ela tomou a iniciativa de parar aquele sem fim de lugares e mais lugares sem destino. Ele teve a covardia de tomar uma atitude, e tomou outras e outras para poder conseguir proximidade.
Ela entende metade do que ele dizia e fazia, era a primeira vez que se deitava com um amante profissional.
7o Ato
Na horizontal, pedidos e mais solicitações, para aquele corpo pequeno devotado à carne. Poucos exageros, carinho abundante, juras e esquisitices românticas.
Nada parecia fazer sentido, mas fez sentir. O corpo responde ao ininteligível, ela sabia, mas foi colocada à prova pela experiência.
Deitaram, sentaram, abraçaram-se e no chuveiro o clímax da intimidade. Um banho quente que fez a carne mentirosa sentir frio na espinha. Foi, inesperadamente, doce.
8o Ato
Súplicas para estender aquele episódio em fase de encerramento, como se anunciasse que daquele dia não passaria.
"Eu faço tudo, como fiz..."
Mas ela pressentia que deveria continuar sua vida, depois de ter exercido a biologia dos hormônios, dos impulsos, do corpo, era a hora da pulsão de vida.
9o momento
Em casa, nenhuma conversa ou palavra... Mais nada. Ainda que alguma resposta, sem pretensão alguma de explicar.
O gosto fulgaz das nuvens de algodão doce, nublaram as lembranças desse desencontro de ficção.
Andaram, uma alma e uma mentira, pelas ruas de uma cidade pequena como as intenções fingidas pelo rapaz.
10o momento
A alma dormiu com dores, a mentira sofreu alguns arranhões que permitiram avistar, ainda que de longe, uma verdade escondida: afeto também se finge.
Hcqf 16 de julho de 2024
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