terça-feira, 30 de julho de 2024

Conversa intinerante

Eu espero tão pouco de você...
E não queria isso. 
A simplicidade na nossa entrega quase me desacostumou dos sofisticados jogos nos romances fúlgazes.
Queria não estar tão alerta como estou, depois de aproximadamente um ano no breu. Porém desacostumei a luz, em vigília constante, desaprendo paulatinamente a pegar caminhos mais bonitos para estar com alguém.
Achei que tinha encontrado um lugar desses em você, só que não... Desde o pronome de tratamento escolhido até seu súbito afastamento, nada novo, nada que eu não tivesse visto antes e então tudo novamente...
Tenho compartilhado a intimidade de meus vilões, passeei em suas angústias, faço companhia em seus constrangimentos... Tudo tão assombrosamente pessoal, mesmo tendo outras pessoas sempre, que estou a ponto de acreditar que os relacionamentos são ficções recontadas mil vezes para virarem verdade.
Não gosto de pensar assim...
A verdade e o amor sempre pareceram luz e sombra para mim... Distintos, mas relacionados. Nada de um sem o outro.
Contudo, tenho esperado amor em figuras míticas, que não compartilham da mesma realidade que eu. Na mesma hora, dividindo o mesmo teto, somos parte de um cenário sempre muito constrangedor, ainda que eu não faça dele qualquer ideia antes de chegar e partilhar a mesa, o pão e a cama.
Sempre uma refeição com alguém que se satisfaz e me deixa na miséria, não pelo que acontece mas pelo que não cumpre, mesmo em cena.
Ainda tem isso, sou a figurante de atores mal pagos e que se empenham muito pouco no papel, isto é, ou dão pouco de si para o enlace físico, ou não se preocupam em como me satisfazer.
São tão pouco e me dão menos ainda...
"E o amor é tão longe..." canta Bethânia na canção de Pedro Abrunhosa.

Hcqf 30 de julho 2024

domingo, 28 de julho de 2024

Do saber-sentir ao sentir-saber

 Aaah, como eu adoraria te encontrar... Receber um convite, por certo, mas até mesmo convidar...

Queria muito dizer "sim" para qualquer hora e lugar, queria demais suspirar cada mínimo detalhe ao me arrumar para ti.
Mas não devo!
Vivemos um reencontro avassalador como foi nosso primeiro beijo. Tudo some quando meu corpo responde ao abraço-laço-chamado da tua pele. 
Eu me viro e meu corpo gruda no seu tronco, eu me re-viro e mergulho mais fundo no seu cheiro, no seu ombro, no seu rosto e ao des-virar dentro do sonho nas profundezas da gente, acordo/encontro sua boca e o meu corpo entra na mais frenética dança até que o mundo desliga e eu descanso.
Como é difícil não lembrar... enquanto escolho uma palavra, chegam inúmeras lembranças e eu recolho gotas de saliva, suor, lubrificação e desejo a lágrima mais sincera a escorrer pela saudade que estou agora...
Mas não posso!
Não dá pra viver tudo isso a sós...
Você está lá, mas tá com medo. Entrega sorrisos, desejos, músicas e doces elogios... Embora não tenha intenção de permanecer, mesmo querendo que eu fique.
Ficar, esse é o termo tão popular, quanto a trivialidade animal da cópula.
 É só sobre me ter?
Não sei, não consigo racionalizar a sua presença. O que sinto-sei é que me envolve como areia presa ao corpo molhado depois de alguns mergulhos nas águas doces ou salgadas da vida.
Como vou dizer que sim, ou chamá-lo, como eu quero? Me diz, como? 
Quando o que eu sei-sinto-sabe que você recusa permanência.
Não tenho tempo para mensagens simultâneas e frequentes... Ainda que desejasse os elogios que você devota quando envia uma mensagem, ou quando encontra minha orelha na cama.
Vamos sim, eu espero ter maturidade, para lhe encontrar noutra oportunidade, que eu não possa correr o risco enorme de te fazer fecundo.
Precisamos de encontros furtivos, testar se o nosso encanto, quando estamos juntos, não é uma vaidade sua de sempre ganhar um jogo.
Talvez nos rever na brincadeira em grupo... Onde eu possa te enxergar de longe, flertando e tocando outros corpos. E essa dor, que sinto de longe, agora, possa anunciar a necessidade que sei-sinto de que não é para ser.
Ah, não se engane, desde a primeira vez foi muito difícil largar sua boca, te pedir pra beijar minhas amigas, te pedir pra sentar e vomitar sentada no seu colo...
Foi difícil e ainda é lembrar que sentei do lado do seu amigo e você ficou em pé no ônibus segurando minha cabeça tonta, e depois me deixou no outro ônibus morrendo de medo das satisfações que tinha que dar em casa.
Escondi seu nome do meu melhor amigo, não compartilhei as doçuras que senti e sinto do seu toque desde a minha boca até a força da sua mão na minha cintura... Segredei a te alguns olhares quando conversamos sentados no meu lugar favorito de frente pro futuro e pro vento no rio Guamá.
É difícil agora também. 
Contudo, você teve/tem alguém que atende aos seus critérios de relacionamento... Alguém que não sobressalta seus batimentos (não sei como mas eu sei que é assim, eu sei quando causo isso em alguém, porque acontece dentro de mim também). Porém, ela não corre o risco de te trazer a responsabilidade de proteger pra sempre alguém tão frágil... e que mesmo aos seus cuidados vai sofrer com a dureza do mundo e a crueldade das pessoas.
Eu sempre soube do amor seus limites, no entanto conhecer sua infinidade foi num beijo doce e azul, que ainda bate na aorta de saudade; e também quando vivi a experiência de deixar ir, sempre que necessário, um pedaço meu que dói... Alguém que não posso curar e mesmo assim tento.
Escolho dividir o seu amor, para não retê-lo em meus defeitos e dilemas, ou fazê-lo sofrer a solidão que eu sinto criando ele sozinho. 
Neste instante sinto-sei disso e outras verdades profundas do mundo, como que o amor quando escolhe duas vidas no mesmo instante, engendra o futuro a despeito da morte.
Você não quer sentir-saber. Eu cansada do que sei-sinto, respeito e desejo te reencontrar mais vezes e sentar pra conversar e talvez ouvir outra música linda... E então, possa partir do saber e sentir, para o sentir e saber com alguém.
 Ou ser surpreendida por você, como sempre!
Hcqf 28 de julho de 2024

segunda-feira, 15 de julho de 2024

Fingimento a dois

 1o momento

Ele percebe uma brecha na agenda para realizar uma fantasia qualquer e procura uma forma de entrar em contato com alguém do seu passado, quando mais jovem e menos calejado de amores vis.

Ao receber a primeira mensagem, lembranças recortaram a surpresa pela chegada inesperada daquele visitante. Ela foi solícita, mas recuou sempre que pode em meio a alguma sutil investida. Fumaça e silêncio, de novo em cena.

2o momento 

Outro recado descompromissado, respostas prontas... Nada ia além da natureza daquela janela e sua virtualidade.

Embora uma primeira investida tenha surgido, tímida como a intenção de ser fulgaz, tudo era impermanência naquele dia, como naquele rapaz.

Alguma pergunta, às vezes sem resposta, sempre uma esquisita não-presença.

3o Ato

Ele reaparece com um pequeno gesto confuso... Talvez não fosse para se comunicar, mas já comunicava algo.

Ela despreza a insensatez da abordagem e ele reage expressando em palavras um convite sem jeito, sem destino, um lance despretensioso que encontrou uma mulher cansada e saudosa no calor de um quarto.

Mesmo assim, foram estabelecidos parâmetros não-protocolares para testar a intenção de que aquilo se efetivasse. Ela cedeu, ele aproveitou.

4o Ato

Um desencontro de entrada e uma falsa intimidade que contagiou a situação toda. Conversas, assuntos diversos. Ele queria comprar algo, ela não estava à venda, mas logo ganhou um preço.

Iniciou o passeio pelo passado dele.

5o Ato

Andaram por lugares, falaram de histórias antigas, parece que havia um tipo de conexão... 

Mas ele não estava inteiro em nada, nenhum gesto, nenhuma palavra... Tudo parecia mel, ainda que na verdade, a doçura fosse sintética, plástica como petróleo manufaturado... transformado em coisa, objeto descartável.

6o Ato

Ela tomou a iniciativa de parar aquele sem fim de lugares e mais lugares sem destino. Ele teve a covardia de tomar uma atitude, e tomou outras e outras para poder conseguir proximidade.

Ela entende metade do que ele dizia e fazia, era a primeira vez que se deitava com um amante profissional.

7o Ato

Na horizontal, pedidos e mais solicitações, para aquele corpo pequeno devotado à carne. Poucos exageros, carinho abundante, juras e esquisitices românticas.

Nada parecia fazer sentido, mas fez sentir. O corpo responde ao ininteligível, ela sabia, mas foi colocada à prova pela experiência.

Deitaram, sentaram, abraçaram-se e no chuveiro o clímax da intimidade. Um banho quente que fez a carne mentirosa sentir frio na espinha. Foi, inesperadamente, doce.

8o Ato

Súplicas para estender aquele episódio em fase de encerramento, como se anunciasse que daquele dia não passaria.

"Eu faço tudo, como fiz..." 

Mas ela pressentia que deveria continuar sua vida, depois de ter exercido a biologia dos hormônios, dos impulsos, do corpo, era a hora da pulsão de vida.

9o momento 

Em casa, nenhuma conversa ou palavra... Mais nada. Ainda que alguma resposta, sem pretensão alguma de explicar.

O gosto fulgaz das nuvens de algodão doce, nublaram as lembranças desse desencontro de ficção.

Andaram, uma alma e uma mentira, pelas ruas de uma cidade pequena como as intenções fingidas pelo rapaz.

10o momento 

A alma dormiu com dores, a mentira sofreu alguns arranhões que permitiram avistar, ainda que de longe, uma verdade escondida: afeto também se finge.

Hcqf 16 de julho de 2024


Um engano compartilhado

 De novo caí em uma cama vazia... Mais um homem sem intuito de vínculo comigo, mais uma alma penada pro meu sótão mal assombrado.

Sei lá... Eu sei dos dispositivos sociais de subjetivação, eu sei das tantas e tantas dificuldades em se construir uma relação... Mas me deixei levar.

Ele tava lá, sem opção, precisando renovar os parâmetros para se desligar de outra pessoa... E eu quietinha, de alguma forma satisfeita com minha solidão... Ovulando, é verdade... Mas antes de tudo, humana, sem esperar um alguém.

Veio ele, suas derrotas pessoais, suas canções vazias e suas palavras pontiagudas mirando os meus sentimentos.

Eu sei, tem uma vulnerabilidade que enlaça o feminino como caça no social, mas a escolha parece ter um critério: uma mulher se erguendo, com suas experiências ruins, seus traumas... Tem um alvo no meio do meu corpo, invisível para mim, mas que reluz para os mal intencionados...

Tantas ressalvas para falar de uma noite de passeio, de conversas e intimidade em abundância. Como pode? E muito questionamentos: foi algo que eu fiz? É o meu corpo? Foi por eu ter aceitado não pagar nenhuma conta? Não sei, parecia que ele queria proporcionar, mas eu deixar foi errado? Não sei... Eu fiquei muito à vontade? Me dei demais? Ele não queria? Ele enjoou? Aconteceu tudo que podia acontecer? Nada era verdade?

Não tem aquela inocência de antes, em que um abraço era sobre abrigo, o beijo era uma entrega viva, o sexo era o último recurso possível para aquecer as lembranças quando a distância era irremediável.

Não. Música, letra, canção, violão... Nada estava lá de verdade, era tudo cenário: o arrepio, cada gesto, cada toque, cada palavra... Tudo pensado para conquistar por algumas horas... Mas podia ser minutos, podia ser o dia todo (ele perjurou)... Mas não existia depois.

Pode haver chamada, por mensagem, por figurinha, talvez chegue a covardia de uma letra aleatória... E o nada vai tomando forma, tudo que nunca esteve esmaece e a fumaça abandona o ambiente deixando frio cada canto e destaca a vergonha no centro.

Meu corpo tomado de engano... Não era sobre a beleza no chuveiro... No final era sobre as sobras de um jantar sem pompa e circunstância, para ninguém importante. Menos que alimentar, era sobre oferecer restos apodrecendo por dentro.

Homens famintos de estômago cheio e peito seco. Mulheres entregues à miséria dos seres: desamor, mentira, ilusão, abusos...

Meu corpo tem pequenas lacerações: dói a minha intimidade, minha boca sofreu algum machucado, a parte mais interna da minha língua, incrivelmente, inchou, está dolorida com uma espécie de elevação incômoda... Embora, mais internamente, bem no fundo, uma frieza ecoa feito aviso de temporal. O tempo parado, nem um vento a soprar, nada se movimenta e o espaço parece testemunhar o vazio mais cruel experimentado: a rejeição.

Está sim, está doendo, mas ainda não sei. Tem um silêncio ecoando longe... Por que? Por que tanta mentira para experimentar um corpo? Para que amordaçar a alma vassala? Não era para encantar, então por que a música? Não era para marcar, então por que o carinho? Por que chegar tão perto? 

Ele contou, sem querer: não faria um convite sórdido para alguém especial, então, independente do que fizesse, nada daquilo era sobre consideração. Não havia intenção de desrespeitar, mas de encenar, mentir... E estava tudo em ato, desde o começo.

Dado o contexto, o que será contado sobre uma noite agradável com um homem, não é nada mais do que uma ficção resgatada em palavras para depurar um engano compartilhado.

Hcqf 14 de julho de 2024


sexta-feira, 12 de julho de 2024

Estranhez

Como entender o desejo por outra pessoa?
Como explicar que a sensação de ser tocado e se sentir à vontade impulsiona?
A sensação de ter o corpo desenhado pelo tato do outro, sem contrato prévio, sem lei que determine algo e mesmo assim achar os próprios limites...
Não há como ser indiferente a esse misto de intimidade e sensibilidade... Fica tudo no ar e faz sentido não entender e é o que preenche de lacunas as lembranças e a saudade dos momentos juntos.
Dói querer essa experiência humana e não se permitir...
Dói não sentir que o outro quer...
Tem dor e tem prazer e disso não há como esquecer, fica gravado na pele e na memória...
É sobre isso também, sobre acordar recordações sem palavras e os indiziveis formarem um dicionário com pequenos detalhes do que foi a sua aventura diante da estranheza que é o outro.
H CQF 12 de julho de 2024