terça-feira, 30 de julho de 2024
Conversa intinerante
domingo, 28 de julho de 2024
Do saber-sentir ao sentir-saber
Aaah, como eu adoraria te encontrar... Receber um convite, por certo, mas até mesmo convidar...
segunda-feira, 15 de julho de 2024
Fingimento a dois
1o momento
Ele percebe uma brecha na agenda para realizar uma fantasia qualquer e procura uma forma de entrar em contato com alguém do seu passado, quando mais jovem e menos calejado de amores vis.
Ao receber a primeira mensagem, lembranças recortaram a surpresa pela chegada inesperada daquele visitante. Ela foi solícita, mas recuou sempre que pode em meio a alguma sutil investida. Fumaça e silêncio, de novo em cena.
2o momento
Outro recado descompromissado, respostas prontas... Nada ia além da natureza daquela janela e sua virtualidade.
Embora uma primeira investida tenha surgido, tímida como a intenção de ser fulgaz, tudo era impermanência naquele dia, como naquele rapaz.
Alguma pergunta, às vezes sem resposta, sempre uma esquisita não-presença.
3o Ato
Ele reaparece com um pequeno gesto confuso... Talvez não fosse para se comunicar, mas já comunicava algo.
Ela despreza a insensatez da abordagem e ele reage expressando em palavras um convite sem jeito, sem destino, um lance despretensioso que encontrou uma mulher cansada e saudosa no calor de um quarto.
Mesmo assim, foram estabelecidos parâmetros não-protocolares para testar a intenção de que aquilo se efetivasse. Ela cedeu, ele aproveitou.
4o Ato
Um desencontro de entrada e uma falsa intimidade que contagiou a situação toda. Conversas, assuntos diversos. Ele queria comprar algo, ela não estava à venda, mas logo ganhou um preço.
Iniciou o passeio pelo passado dele.
5o Ato
Andaram por lugares, falaram de histórias antigas, parece que havia um tipo de conexão...
Mas ele não estava inteiro em nada, nenhum gesto, nenhuma palavra... Tudo parecia mel, ainda que na verdade, a doçura fosse sintética, plástica como petróleo manufaturado... transformado em coisa, objeto descartável.
6o Ato
Ela tomou a iniciativa de parar aquele sem fim de lugares e mais lugares sem destino. Ele teve a covardia de tomar uma atitude, e tomou outras e outras para poder conseguir proximidade.
Ela entende metade do que ele dizia e fazia, era a primeira vez que se deitava com um amante profissional.
7o Ato
Na horizontal, pedidos e mais solicitações, para aquele corpo pequeno devotado à carne. Poucos exageros, carinho abundante, juras e esquisitices românticas.
Nada parecia fazer sentido, mas fez sentir. O corpo responde ao ininteligível, ela sabia, mas foi colocada à prova pela experiência.
Deitaram, sentaram, abraçaram-se e no chuveiro o clímax da intimidade. Um banho quente que fez a carne mentirosa sentir frio na espinha. Foi, inesperadamente, doce.
8o Ato
Súplicas para estender aquele episódio em fase de encerramento, como se anunciasse que daquele dia não passaria.
"Eu faço tudo, como fiz..."
Mas ela pressentia que deveria continuar sua vida, depois de ter exercido a biologia dos hormônios, dos impulsos, do corpo, era a hora da pulsão de vida.
9o momento
Em casa, nenhuma conversa ou palavra... Mais nada. Ainda que alguma resposta, sem pretensão alguma de explicar.
O gosto fulgaz das nuvens de algodão doce, nublaram as lembranças desse desencontro de ficção.
Andaram, uma alma e uma mentira, pelas ruas de uma cidade pequena como as intenções fingidas pelo rapaz.
10o momento
A alma dormiu com dores, a mentira sofreu alguns arranhões que permitiram avistar, ainda que de longe, uma verdade escondida: afeto também se finge.
Hcqf 16 de julho de 2024
Um engano compartilhado
De novo caí em uma cama vazia... Mais um homem sem intuito de vínculo comigo, mais uma alma penada pro meu sótão mal assombrado.
Sei lá... Eu sei dos dispositivos sociais de subjetivação, eu sei das tantas e tantas dificuldades em se construir uma relação... Mas me deixei levar.
Ele tava lá, sem opção, precisando renovar os parâmetros para se desligar de outra pessoa... E eu quietinha, de alguma forma satisfeita com minha solidão... Ovulando, é verdade... Mas antes de tudo, humana, sem esperar um alguém.
Veio ele, suas derrotas pessoais, suas canções vazias e suas palavras pontiagudas mirando os meus sentimentos.
Eu sei, tem uma vulnerabilidade que enlaça o feminino como caça no social, mas a escolha parece ter um critério: uma mulher se erguendo, com suas experiências ruins, seus traumas... Tem um alvo no meio do meu corpo, invisível para mim, mas que reluz para os mal intencionados...
Tantas ressalvas para falar de uma noite de passeio, de conversas e intimidade em abundância. Como pode? E muito questionamentos: foi algo que eu fiz? É o meu corpo? Foi por eu ter aceitado não pagar nenhuma conta? Não sei, parecia que ele queria proporcionar, mas eu deixar foi errado? Não sei... Eu fiquei muito à vontade? Me dei demais? Ele não queria? Ele enjoou? Aconteceu tudo que podia acontecer? Nada era verdade?
Não tem aquela inocência de antes, em que um abraço era sobre abrigo, o beijo era uma entrega viva, o sexo era o último recurso possível para aquecer as lembranças quando a distância era irremediável.
Não. Música, letra, canção, violão... Nada estava lá de verdade, era tudo cenário: o arrepio, cada gesto, cada toque, cada palavra... Tudo pensado para conquistar por algumas horas... Mas podia ser minutos, podia ser o dia todo (ele perjurou)... Mas não existia depois.
Pode haver chamada, por mensagem, por figurinha, talvez chegue a covardia de uma letra aleatória... E o nada vai tomando forma, tudo que nunca esteve esmaece e a fumaça abandona o ambiente deixando frio cada canto e destaca a vergonha no centro.
Meu corpo tomado de engano... Não era sobre a beleza no chuveiro... No final era sobre as sobras de um jantar sem pompa e circunstância, para ninguém importante. Menos que alimentar, era sobre oferecer restos apodrecendo por dentro.
Homens famintos de estômago cheio e peito seco. Mulheres entregues à miséria dos seres: desamor, mentira, ilusão, abusos...
Meu corpo tem pequenas lacerações: dói a minha intimidade, minha boca sofreu algum machucado, a parte mais interna da minha língua, incrivelmente, inchou, está dolorida com uma espécie de elevação incômoda... Embora, mais internamente, bem no fundo, uma frieza ecoa feito aviso de temporal. O tempo parado, nem um vento a soprar, nada se movimenta e o espaço parece testemunhar o vazio mais cruel experimentado: a rejeição.
Está sim, está doendo, mas ainda não sei. Tem um silêncio ecoando longe... Por que? Por que tanta mentira para experimentar um corpo? Para que amordaçar a alma vassala? Não era para encantar, então por que a música? Não era para marcar, então por que o carinho? Por que chegar tão perto?
Ele contou, sem querer: não faria um convite sórdido para alguém especial, então, independente do que fizesse, nada daquilo era sobre consideração. Não havia intenção de desrespeitar, mas de encenar, mentir... E estava tudo em ato, desde o começo.
Dado o contexto, o que será contado sobre uma noite agradável com um homem, não é nada mais do que uma ficção resgatada em palavras para depurar um engano compartilhado.
Hcqf 14 de julho de 2024