Preciso dizer que te amo e adeus no mesmo instante...
Não é exatamente sobre a frase que enseja, mas sobre a sensação que despedaça ao existir e exige ser entregue ao outro e nada saber do que virá.
Estou nesse lugar de encontrar o que você esqueceu, o que deixou por displicência ou descuido e o que perdeu...
É certo que pouco perdeu, das coisas desse tipo são feitas as histórias longas, as companhias que retornam a procura dos seus pertences, pertencendo elas mesmas ao lugar...
Contudo, do que esqueceu em mim tenho algumas lembranças, como o ver-o-peso, a mais antiga; Dickson, a mais recente; no meio do caminho suas pedras: Portsheid, Fiona (Yo), Alice, Marina (eu), Björk, Pearl (a que mais dói, agora)...
Tem coisa que espero nunca mais sentir, também queria esfriar, mas eu não mereço matar a poesia/amor aqui dentro.
Desse lugar de onde você foi (pra SP) e nunca mais voltou, um lugar que desapareceu, como vila abandonada depois de ser devastada por saqueadores. Embora nada tenha ficado, você levou toda esperança que um dia eu tive...
É pesado lembrar, "desculpa o futuro esperado que não te dei", "beijo no coração", "ser de luz", "It's so real", a última e primeira cantada que você compartilhou por falta de companhia no mesmo dia que me deixou esperando notícias suas das 1h até às 7h. E acho que nunca mais encontro esse áudio, mas ele se repete na minha memória com o tom de voz mais imundo que já ouvi, pela segunda vez: "oi, tá tudo bem, hehe, acho que agora só me resta dormir...". Você tinha mentido por 1h dizendo coisas sobre se importar, querer morrer e "eu te amo, sua doida", mas transou com uma amiga sua lésbica na casa dela, enquanto eu ardia em choro e preocupação numa noite eterna...
Naquele dia eu fiz um sacrifício absoluto, como o que custa meu sono agora, e eu espero que nunca mais aconteça.
Eu errei demais em conversar contigo, nem todo mundo vale uma palavra... Eu te emprestei ouvido, coração e profundidades... Você me deixou rasa como pires antigo, sem xícara, que logo será quebrado pelo descuido que remete por ter sido abandonado.
Estou suja pelas coisas que dividi sem você querer, pelas mentiras que acreditei, pelas injúrias que ouvi, por você sair ganhando de todo lado... E também por não ter me protegido, como quem se coloca na frente da insanidade alheia sob ameça e precisa mudar de rota pra sempre.
Eu não conhecia o lado escuro da paixão... Minhas afecções por abutres nunca vingaram, sempre esbarraram em alguma autoproteção que eu perdi quando trai uma amizade antiga para deitar com a morte e seus vícios.
Nenhum zumbi tinha triscado em um pedaço do meu corpo, de todos me protegi e com o tempo o sentimento humilhante que senti por eles se destruiu em memórias horríveis e constrangedoras.
Você foi minha pior derrota, estou arrasada como se todos os piores homens da minha vida tivessem me tocado ao mesmo tempo. Estou mais magra, mais fria, mais triste e sem esperança. Você roubou minha luz do dia.
Escrevo para destruir.
Percorro os lugares que passei, dessa vez sozinha e desprotegida, de noite correndo perigo de ser encontrada por minha última pior atitude comigo, uma ameaça de morte que aconteceu depois que decidi bloquear você.
Quando eu lembro que as minhas palavras são alvo dos seus risos, sinto qual rouxinol de Wilde, sangrando a esmo para pintar a única rosa de desamor da literatura. Nem o estudante, nem sua musa mereciam o sacrifício prateado que o pássaro encantou. E a rosa enluarada virou uma simples flor, alvo do deboche da alma ambiciosa de uma menina que, por sorte, não conhecia o amor.
O salgueiro, me sabia desde os meus 15 para 12 anos, quando conheci Oscar, O velho do porão em Canterville, os amigos (des)leais, meus cadáveres favoritos - o gigante e o rouxinol - e seus tristes finais.
Foram aqueles últimos os que me fizeram dividir a solidão com meu escritor preferido. Minha vida não tinha perspectiva alguma de felicidade, como eu podia gostar de histórias felizes?
Wilde me salvou da infelicidade absoluta de achar que só eu era triste. Encontrei no desamparo sua literatura elegante, dos grandes salões de festa, da elegância covarde, a sua desesperança nos personagens mais complexos e a sua dor profunda de amar o impossível. Se não haveria como sentir o colo desejado, que a pena desdobrasse o sofrimento em contos infelizes sobre a dura realidade dos adultos, quando não acomodam o peito ao sabor do dinheiro, da conveniência, do abrigo morno e da companhia sem sentido de mortos-vivos para os amores na vida.
Não nego que você me matou. Alguma coisa em mim apodrece com sua distância, seu desleixo e meu desalento.
Um herói sem esperança, não está vivo, também não está a serenata ao luar encravada no peito rasgado do passarinho. Sabia o salgueiro com suas folhagens de lágrimas sobre o coração humano (e a pobreza e riqueza da alma) e quiçá "Das dores do mundo" que nublou a fronte do filósofo pra sempre.
Nada sabia eu, que entreguei meu tesouro para uma menina que sofria de amor por um Habreu, que eu conheceria mais de uma década depois no buraco sem alma que me partiu o peito. Foram alguns anos até ela encontrar amor. Formou-se, fez mestrado, casou, construiu o próprio sustento e um fervor religioso, sem jamais experimentar de novo o néctar mais venenoso do mundo: um canalha disposto a roubar a beleza de uma mulher.
Naquele tempo eu fazia o que fiz agora, um sacrifício enorme, que me custou vida. E desta vez eu estou sob uma ameaça interna, pela burrice de ter pensando em proteger seres humanos - não eu, não minha história, não meus sonhos com meu filho - pensei nos seres humanos com quem divido algumas horas do meu dia, que correm impassiveis e sem sentido, de novo.
Agora vai me custar caro me proteger, inclusive me solidarizo com todo desumano que tentou o insucesso mais banal: colar os cacos de amor com a presença de alguém inexpressivo, talvez o que eu fui. Todavia, a minha intenção é de cura, não quero machucar mais ninguém, nem a mim.
Recordo dessa moça, da sua luta, da minha arrogância em lhe entregar o saber mais belo que eu cultivei como a rosa cultivada pela dor do rouxinol. Lembro de um ex companheiro e o primeiro abrigo que encontrou nas tardes chuvosas pelas quais trocou 8 anos de sonho e luta.
Não posso me culpar por não saber o que hoje sei sobre quando o amor fere; nem fingir que não foi a melhor saída a dele, mesmo entre a coragem e a covardia, daquele apartamento frio no centro de Belém.
Hoje, depois de frequentar a sujeira da sua cama e do seu lençol e a cena inesquecível que você quis cravar na minha memória ao enxugar meu corpo anestesiado pela queda da consciência do erro, que mal sabia eu, se revelaria imediatamente no outro dia com a sua mirada fria sobre minhas formas pequenas e banais e a conclusão que tirou: você estava toda perdida... Você e a vilania dos homens eloquentes descritos por Wilde.
Então, eu que me identifiquei com os finais infelizes, tropecei também nos piores vilões da literatura da minha vida, de tanto duvidar que melhor seria estar na companhia medíocre dos heróis, na pouca complexidade das cenas bobas dos romances que eu admirei no cinema pastelão... Não, eu escolhi os grandes perversos, as almas frias, os desalmados, eu tive pena de pessoas sem coração, tal como a ingenuidade que levou à conclusão mais triste e errada que eu já li, em estilo literário: um rouxinol achar que sabia menos de amor que os humanos.
Que eu me defenda com unhas e dentes, mais uma vez, como já fiz com meu sonho profissional, que eu sustente minhas perdas financeiras para ter tempo de qualidade com meu filho e para comer, como também ajudar a mulher que me amou com as lutas da própria vida e me salve, eu a mim mesma, desse escuro que suja a poesia com seu hálito venenoso.
E que eu salve alguma espécie de amor depois dessas experiências horríveis em que confundi amar perdidamente com entregar-se inteiramente a qualquer um, como se alguém fosse mais importante que a própria existência de si mesmo.
Nesse fundo do poço encontro agora, talvez o tesouro que persegui: o amor próprio e o quanto custou construí-lo seja o troféu que nunca recebi.
Hellen, com H, L, L, É, N, de não vou me abandonar e nunca é tarde pra se encontrar.
HCQF 15 de dezembro de 2023.
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