Não entendo o que acontece... Nos vemos e não nos olhamos...
No mesmo lugar, dois estranhos... separados, alguma conversa...
Mas não dá pra entender como uma amizade...
Trocamos sinais... conectados, pela virtualidade...
Mas ele foi direto: "TU chegou tarde DEMAIS".
Eu acordei...depois de sonhar mais de um mês com um encontro...
Seria um local onde não houvesse uma tela entre nós.
Arrisquei ser invasiva, não ser bem aceita, sofrer alguma represália... e tudo isso aconteceu...
No entanto, no mesmo lugar, sem a obrigação de deixar a razão sobressair... poderíamos bebericar, sorrir, sentar perto... e finalmente olhar na mesma direção...
Nada disso foi possível...
Ao invés disso: constrangimento, algo como ciúme, muita represália, nem um espaço pra um encontro de olhares...
Uma janela real abriu-se, com um pedido para sentar ao lado: ele foi engraçado, mas também indiscreto, contou de um plano secreto para quem estava me constrangendo o tempo todo...
Ele me entregou...
E se defendeu...
Protegeu seu orgulho de homem... virou o rosto, a cadeira - várias vezes -, ficando distante, apesar de não demonstrar indiferença, mas com desatenção e frieza.
Ao final, certa inclinação de cuidado, bem raso, bem discreto, quase imperceptível.
Até agora, ainda vejo que notei um grão de mostarda em meio a gerginlim preto... parecem a mesma coisa, porém uma das sementes origina uma substância amarela muito conhecida, enquanto na outra o escuro se preserva e isso identifica sua natureza.
Foi quando encontrei um risquinho de preocupação, cuja causa ainda desconheço. Talvez, ciúme porque encontrei um amigo carinhoso. Ou alguma insegurança pelo fato de ter ficado próxima do anfitrião. Ainda poderia ser uma tentativa, sorrateira, de conquistar uma noite comigo.
E em nada disso, realmente, sequer pressinto algo que resvaleça algum cuidado, mesmo que perdido, ou esquecido dentro de uma postura covarde por esconder que fosse uma atração carnal, vil ou imunda.
E aqui começa o nojo... sentimento familiar, com o qual abandono objetos que conquistam meu desprezo.
Um contato que poderia ser um abraço, entornou-se uma lembrança remota. Dos segundos que estivemos mais perto, a sensação de virtualidade, vazio, alguma coisa que esfumaça até suas vestes... parece que abracei o vento.
Lembro que provoquei a proximidade: toquei seu cabelo, sensação de nada... Pedi um abraço e apenas um tronco, sem cabeça, dobrou-se na minha direção... e agora parece que nem mesmo tinha braço... enlacei a mim mesma, frágil e envergonhada... a cabeça baixa, os olhos cerrados... e mergulhada em tamanho silêncio, pude ouvir um estampido ruidoso, algo entre: tomem cuidado, cuidem-se, tenham cuidado.
Mas as palavras me faltaram... acho que sorri num desatino, dei de ombros... aquela cena era tão pueril, quanto tudo naquela falsa-presença.
Agora mesmo, ainda necessito de grande esforço para pescar elementos nesse desencontro.
Continuei no mesmo local mas já em outro ambiente. Fiz inúmeras confissões... Ganhei colo e um conselho encoraja(dor): faça por você; talvez uma página precise ser arrancada para que as marcas não maculem o restante do que vier a ser traçado.
Sai de lá. vim embora. cheguei em casa. Tomei banho. Deitei. Não consegui dormir. Pensei em mandar uma mensagem. Sonhei acordada. Queria que fosse um apelo de um coração inseguro, em busca de coragem: talvez fosse. Cochilei. Abri os olhos. Liguei o celular...
Surgiu uma mensagem de esperança no meu peito: obrigada pelo cuidado; queria que o abraço tivesse durado um pouco mais.
E a resposta foi precisa como um tiro: tarde demais!
Antes escreveu: obrigada pelas palavras.
Imediamente depois...
TU, particula de tratamento que pode indicar intimidade, mas regionalmente, aqui, refere trivialidade, desleixo, descuido na interlocução.
(Aqui, um trecho inteiro não foi salvo do apagamento)
Chegou, verbo que remete a um deslocamento, porém não houve qualquer preocupação da parte do emissor com o trabalho pra estar alí.
Tarde, poderia fazer referência ao meu atraso para o encontro, contudo, nesse contexto nublado e frio, diz respeito a todos os envolvimentos e pessoas que ele tem beijado e usado.
DEMAIS, um excesso próprio do que descaracteriza, envolve com penumbra qualquer compreensão, ou comunicação, como aquela falsa presença do final.
Vem à tona uma narrativa que aparece quando ele fala de si, ou de algo caro. Um garoto mimado e intempestivo, que uma maldição aprisionou em grandes poderes. Esse mago vive uma servidão de defender as pessoas dos males da guerra, o que o tornou frio e insensível ao amor.
O desfecho desse história encantada, ele também aproxima de um objeto desejado muito peculiar: uma obra de arte. Um beijo que enlaça dois amantes, no toque dos lábios no rosto da amada. Um gesto que perfaz a divindade do encontro dos dedos de Zeus com os homens - no encontro de corpo, razão e a alma, de Michelangelo.
Talvez eu já soubesse de algo, pela ciência do fato dele se comparar ao escuro do bruxo amaldiçoado.
Todavia, nada nesse cenário é sobre saber... ele é opaco como a ignorância encarnada.
Diante de mim, ele transvê o entorno, diante dele sou transparente como água cristalina que permite ver o fundo do rio. E ele é um lago, pequeno e raso, de água parada e sem vida.
Nenhuma cor a ser distinguida, nem um odor capaz de capturar a percepção, forma alguma mais definida ou própria. Escuro, cinza, chuvoso, um breu sem sentido.
Eu que amo a escuridão que permite contemplar as estrelas... fico tácita e imóvel... nem sono, nem vigília... ignorância.
Um além pra ver o aquém de um sentimento, que me enredou enquanto velejava meus sonhos no (a)mar.
Hcqf, 5 de julho de 2022.