domingo, 24 de março de 2024

Tons de marrom, cinza e preto...

Esqueceram a janela aberta e eu caí...
Não era bem o que eu queria. Mas a visão na queda me surpreendeu.
Eu vi uma felicidade antiga em tons mais quentes que o preto de sempre.
Tinha dois sorrisos e um olhar de família. Todos já sabiam, quiseram me avisar e eu não dei espaço.
Senti vergonha por todo tempo que não arremessei meu corpo daquela varanda nos primeiros dias, ou do último quarto bagunçado.
A realidade me abateu o ânimo, estou tentando me erguer, mas é tudo escorregadio ainda perto da gaiola.
Parece que um pesadelo me acordou, mas a verdade era pior que o sonho ruim.
Alguns lampejos me ocorrem, como o de que não haverá uma explicação para o que eu sofri e nem resposta para o que me fez viver isso tudo.
Aos poucos sede e fome me alcançam, mas perdi uma perna imaginária, como G.H de Lispector. Só que a minha era uma moleta que eu carregava comigo para me proteger dos obstáculos que tenho enfrentado, para adiar o cuidado com o meu corpo e suas fragilidades, um suporte para toda desculpa para não investir em nos meus sonhos pro futuro, uma moleta de irresponsabilidade, literalmente.
Agora, ainda acostumada a sua serventia, manco diante das obrigações e de algum trabalho de luto.
Ao menos não estou mais presa, na gaiola ou a muleta, embora algumas lembranças eu tenha guardado em cofre, contra a indicação do poeta. 
Assim, distante do sublime da poesia e perto da justeza da realidade, caminho cada vez com menos dificuldade.

Hcqf 25 Março 24 

sábado, 23 de março de 2024

Autoenganos

Ele disse incrédulo:

 - achou que podia dar certo? Achou mesmo?

Eu respondi (sem querer):

- achei... Eu sempre acho... que encontrei o amor (e segurei o restante das palavras dentro da boca) ...

- não tinha paz. Lembra, excesso? (Em tom irritado).

- sim... Agora eu lembro de tudo. Espero que isso passe.

- esquece! Por favor!

- vai acontecer... Sempre acontece (rebaixando o tom da voz ainda mais).

- então? Por que tá se fazendo de vítima?

- porque não é o que eu queria.

- o que?

- esquecer... Ser esquecida...

- nem você, nem eu... Entenda! Só aconteceu.

- eu fico me perguntando: quando?

- quando, o que? 

- em qual momento tinha acabado e eu tava lá sozinha.

- todo tempo. Lembra?

- sim, você nunca tava lá.

- não, e eu não menti sobre isso.

- mas fingiu... Muito mal... Mas eu acreditei, porque não queria acreditar em mim, só em você.

- acreditar em mim? Quando? Eu disse várias vezes "eu te amo" e você nunca me ouviu.

- você disse: eu te amo, sua doida; eu te amo, porra; eu te amo, só que rindo (pensei, lembrando da cena, tudo estava diferente, foi um adeus e eu nem percebi).

- tá, já entendi que não foi do jeito que você queria, mas foi...

- esse último, inclusive, foi outro dia...

- outro dia não... Isso já tem bem uns três meses ( e riu).

- tem, exatamente, três semanas. E você disse que eu não te ouvi (percebi que ele nunca me viu, devia ter sido cada noite uma fantasia diferente, porque é isso que eu sinto agora).

- tá bom, então, você quer me culpar pelo que aconteceu, é isso? Pode me culpar, fique à vontade, mas saiba que acabou. Encontrei a luz que ilumina a minha escuridão e me deixa bem.

- não duvido que te deixe bem, mesmo. E que eu não fui capaz de te iluminar... Eu não queria isso. Eu sempre achei que amor fosse sobre ver a nudez da alma do outro. Mas não dá pra ver no escuro né?

- não faz assim... Não faz isso comigo. Eu preciso de paz, você sabe disso. Os últimos acontecimentos foram...

- por que né? Maldita saudade que me fez te mandar email de parabéns na madrugada. São coisas minhas sobre ser presente... Eu tava errada.

- não, ninguém tá errado. Só não era pra ser.

- sim, não era pra ser eu. Dizem que uma lenda japonesa sobre o amor de verdade conta que quando a gente ama alguém...

- para com isso... Você não precisa fazer isso.

- preciso sim. A humilhação é o limite da dignidade do perdedor. Aprendi com Heitor de Tróia, o pai dele correu o maior perigo para colocar duas moedas nos olhos do filho para ele entrar no rio do esquecimento e ser lembrado como príncipe que foi. Eu hoje sou a moeda que o pai deitou sobre os olhos do guerreiro que sozinho enfrentou o homem mais temido da Grécia, pela honra da sua família.

- ah, por favor... O filme não é o mito...

- eu não sou um personagem da mitologia... Eu sou o pedaço de metal forjado e frio: eu virei lembrança para alguém e daqui a pouco talvez nem isso.

- para com isso... A gente ainda pode se ver... Ela não é ciumenta. Mas com ela quero ser diferente.

- ... (Enterrei boa parte do rosto e dá tristeza dentro do peito).

- o que foi?

- foi assim como um resto de sol no mar...

- adeus, fica bem, vou te guardar...

- em cofre não se guarda coisa alguma, em cofre...

- ah, por favor... Essa poesia decadente pra cima de mim agora? Isso já passou.

- eu sou ninguém e você quem é? A palavra começa a viver naquele instante em que é dita.

- não é assim a tradução direta.

- as melhores traduções do alemão e do inglês, não foram capazes de me explicar o mistério mais angustiante que existe.

- o amor? (Torcendo a boca)

- não ser correspondido mesmo se entregando, perdidamente...

- nisso a gente concorda, lembra? Você estava perdida, confusa... E eu tentei te trazer pra perto, para um lado mais tranquilo, o sol da manhã, lembra?

- lembro: a tranquilidade do amanhecer, que embalam o mar e a lua em plena harmonia. E se sabe que é a pessoa certa...

- nossa, para com isso. Deixa passar! Você sabe muito bem que precisa elaborar isso... Acabou, aceita!

- ... (Empurrei ainda mais pro fundo o que senti e apertei os olhos, como se sem ver, não tivesse acontecido, como foi sempre).

- tchau, agora eu tenho que ir. Espero que você fique bem e que se cuide (apressado em se afastar). Cuidado...

- com o sorriso meigo da bonequinha de lixo.

- tá bom, já não aguento mais essa conversa. Não vai dar em nada (e virou as costas).

E desapareceu a fumaça que embriagou meus sentidos. E eu vi a cena de Audrey Hepburn chorando na chuva abraçada a seu gato. Ela acabara de escutar que precisava ser menos ela e mais alguém que ela deixou para trás.

O amor é um Deus que tem seus preferidos, eu perdi sua confiança, mas não deixei de acreditar nele.

Hcqf 25 de março de 2024

Poema eterno

Ele tira o terno e me carrega

Me coloca em seu colo e segura minha cintura

Encosta os olhos verdes entre meus seios

Sobe e cheira meu pescoço


Sinto a mão apressar o zíper da calça de alfaiataria 

Enquanto seguro seu rosto e umideço seu queixo

Escuto que não há tempo 

E desejo que ele entre 


Ele quer sentir meu calor

Digo que me despi para almas penadas

Ele revela ter perdido a sua de amor


Estamos uma parte vestidos

E a outra metade nus

Ele me cobre com suas vestes

Eu abraço seu corpo

É quente e doce


Hcqf 23 março 2024


Höhle: poema macabro

 Escrevo para me entregar e poder ser livre, de novo...

Estou presa em uma gaiola, suja e escura...

Daqui enxergo turvo, o escuro levou parte da minha acuidade visual em sua capa de intelectual.

Toda janela que se abre arde nos meus olhos... Mesmo se um flash de luz atravessa a umidade ainda enxergo treva e nada, como o buraco na alma de quem me tortura.

Essa escuridão fria constrói fantasias de calor pela fuga da realidade que suscita...

O cheiro ruim de morto-vivo deixado nas madrugadas no meu corpo, quase leva toda a minha fome de (i)mundo...

A sede que me restou veio com as tardes na companhia da vergonha impregnada em tudo dentro dessa caverna.

Essa claridade no meio do dia tem revelado a insanidade que toma o morcego que se alimenta da minha energia...

Tenho gritado palavras desconexas e a minha voz cada vez mais me ressuscita...

Mesmo meu ouvido atormentado por ruídos musicais e gritos em um inglês sem sentido.

De tanto alucinar um colo, estou quase aprendendo a bater minhas asas pequeninas...

Consigo imaginar a vida fora desse amontoado de pedra, lágrima, cerveja e cocaína...

*Höhle é caverna em alemão.

Hcqf 23 de março de 2024

sábado, 16 de março de 2024

 Eu aceito ele como ele é...

Ele me quer só quando me aceita...

Diz "sdd" e eu entendo "saudade"

É minha senha pra ilusão

Entro, bato os pés, e a poeira embaça minha visão.


Hcqf  21 de FEV de 2024

terça-feira, 5 de março de 2024

 Como uma conversa que não vai acontecer, escrevo para assumir a realidade...

Tirei você de onde não estava, uma contradição tola, como a ilusão da espera por um contato, que eu queria físico, embora não exista sequer de forma remota.

Abrigo alguns boots no enquadre virtual, como abutres esperando a queda de qualquer pedaço apodrecido das minhas experiências com o sofrimento. No entanto, são uma espécie inanimada de população que paira sem destino, espionam informações, embora desobrigados de qualquer interação conectam trechos de pesquisas, erros e clicks desatentos ao lixo eletrônico que habita o submundo desde o advento da internet.

Divago para suportar as linhas tristes que se sucedem, são dores remotas que acesso por dolorosa consciência de mim.

HCQF 10 de dez de 2023,

domingo, 3 de março de 2024

Conversa entre parênteses, sozinha.

 - oi? (O que vc quer agora?)

- feliz ano novo. Como vc tá? (Me falaram que vc não tá bem. Eu tenho algo a ver com isso?)

- tô bem. (Não tô legal e falar com você pode piorar tudo).

- disseram que vc está doente? (Eu sei que aconteceram muitas coisas pode ter acontecido algo...)

- tô melhor. (Não adianta nada falar algo pra você, é o mesmo que pedir para continuar sofrendo, e eu não quero mais esse delírio de adoecimento, quero viver bem).

- eu sei que não foi do jeito que vc imaginou, mas eu gosto muito de ti. (Não dava pra gente ficar junto, não foi dessa vez, não aconteceu, não era mesmo pra ser algo maior do que foi e foi bom enquanto durou, não foi?)

- ah, obrigada. Tô bem, pode ficar despreocupado. (Só toma cuidado quando pensar em falar comigo, de alguma forma a porta vai estar sempre meio aberta pra ti, mas isso não quer dizer que você poderá entrar, até porque vc até agora ainda nem saiu, então considere sair uma possibilidade).

- não quer conversar né? Eu entendo. Mas se um dia quiser conversar algo, tô aqui. (Não vou tentar mais, eu sei o que vivemos, não menti, não te iludi, tudo o que vc fez, vc fez porque quis, eu tenho minha parcela, mas vc tem a sua, não vou tentar mais).

- ah, tudo bem. (Se vc fosse tentar algo séria a primeira vez, porque tudo o que vc fez foi antes de tudo aceitar o que recebia quando convinha... Então, está onde sempre esteve, do lado de fora, eu que te fantasiei dentro).

HCQF 1 de jan de 2024